REGISTRO: 665.189
Textos estão protegidos pelas Leis brasileiras de Direito Autoral. É obrigatório que se solicite permissão para ser montado. Não fazê-lo será passível de ações legais. Para solicitação, falar com o autor DURVAL CUNHA pelo e-mail: altamirando66@hotmail.com.
AUTOR
Durval Cunha
FACEBOOK: https://www.facebook.com/durval.cunha.98
E-MAIL : altamirando66@hotmail.com .
CEL:
VIVO : 11 - 99746-2374
E-MAIL : altamirando66@hotmail.com .
CEL:
VIVO : 11 - 99746-2374
BRÁULIO vs GINA
(ESSA PEÇA É OUTRA VERSÃO DA PEÇA ‘PROCURA-SE BRÁULIO DESESPERADAMENTE’)
MIRIAM
Quarto de Alaor e Miriam. Os dois estão na cama em vias de fazer amor sob
o lençol. Gritinhos e gemidos.
MIRIAM
Ai Alaor, tô
tão necessitada... Dois meses já...
Vem... Vem... De hoje não passa... Vem... Ah não! Encolheu! Tá encolhendo... Concentra, concentra
! Pensa numa coisa bem sacana.
ALAOR
Não dá Miriam! Não
dá.
MIRIAM
Num desiste
não... Bota mais um filme pornô. Toma outro Viagra . Mistura com Cialis pra
reforçar... Acabou o Pramil?
Alaor acende a luz. Levanta irritado.
ALAOR
Chega Miriam! Chega!
Dois meses já. Dois meses e nada!
MIRIAM
ALAOR
Claro que não! Que
ideia. Alzira é uma doida. Cortar o pinto do namorado... Maluca. Mulher pensa que pinto é igual rabo de
lagartixa. Cortou cresce outro.
MIRIAM
Tem certeza? Começou
logo depois. A Alzira é conhecida, não é só notícia de jornal.
ALAOR
Nada a ver,
nada a ver!
MIRIAM
Voltou no
médico?
ALAOR
Na verdade
procurei outro especialista.
Vai até no armário. Tira uma caixa com vários artigos de umbanda. Velas, guias
coloridas, garrafa de cachaça, alguidar, charuto, farofa.
MIRIAM
(Espantada)
ALAOR
Sou! Mas to
dando essa chance pro mundo espiritual. Se querem me converter a hora é agora. Um
caboclo deu a receita. Tem mais coisa na
lavanderia. Pra arriar na encruzilhada a
meia noite. Preciso da sua ajuda.
Alaor sai em direção a lavandeira. Fica
fora de cena.
MIRIAM (Mexendo
nos artigos da caixa)
Não to
acreditando... Encruzilhada a meia noite?! Vamos ser assaltados. Sê vai
sozinho!
ALAOR (Falando
ainda fora de cena)
Sê tem que ir
comigo! Pra fazer uma coisa pra mim.
MIRIAM
Que coisa?
ALAOR (Entra em
cena com uma galinha preta dentro de uma gaiola)
Matar essa
galinha preta.
Miriam dá um grito e foge pra longe da
galinha.
ALAOR
Que isso
Miriam?
MIRIAM
Tá doido? Não
vou matar galinha nenhuma!
ALAOR (Ele
caminha em direção a ela com a galinha, Miriam vai se esquivando)
Mas eu não
tenho coragem Miriam...
MIRIAM
E eu tenho que
ter? O pinto é seu,você que mate ! Não
chega perto! Aí que nojo... Porque não fez isso no terreiro e veio
com ela matada?
ALAOR
Não pode . Tem
que matar na hora. Puxa vida Miriam...mata pra mim vai... Mulher lida melhor
com a crueldade.
MIRIAM
NÃO! Leva esse bicho daqui Alaor! Anda!
Alaor leva a galinha de volta pra
lavanderia contrariado.
MIRIAM
Homem pensa com
o pênis mesmo! O pênis para de funcionar e eles param de pensar.
ALAOR
(Voltando)
Eu negocio as
férias no nordeste. Pago setenta por cento.
MIRIAM
Não vou matar
galinha nenhuma! Já deu por hoje. Lavou as mãos? Se sentir cheiro de galinha sê
dorme no chão!
ALAOR
Lavei,lavei...
Mas tem o lance do sonho.
MIRIAM
Sonho? Tem sonho
mágico também? Até isso?
ALAOR
Tem. O Caboclo
disse que a resposta viria num sonho.
MIRIAM
Tá ... Vamos
dormir então. Amanhã procuro um psiquiatra pra você. Por hoje já deu.
Apaga
a luz. Tempo.
ALAOR
Olha só! Ta
ouvindo? (Miriam dorme) Mi...Miriam...
To ouvindo som de atabaque. (Entra som
de atabaque. Musica de umbanda. Som vai subindo) Mas é incrível... To
ouvindo claramente. Tá me dando uma coisa esquisita. Miriam... Miriam...
Cessa
música , luz que representa os sonhos de Alaor.
ALAOR (
Levantando)
Meu Deus! É o
sonho! Só pode ser! Nos filmes também tem essa luz...
Efeitos
luminosos no canto onde Bráulio vai surgir.
ALAOR
Aí meu Deus! É
o caboclo! Veio pessoalmente. Maravilha! Quem sabe ele mata a galinha pra
mim.
Surge
Bráulio. Um ator fantasiado de pênis. Apesar de ser um pênis ele é desprovido de malícia e sensualidade. Postura
sempre curvada e vacilante
ALAOR ( Espantado
)
Quem é você?
BRAULIO
Como quem? Não
me reconhece?
ALAOR
É ... o... como
vou dizer....
BRAULIO
Pode me chamar
de Bráulio. Eu sou... seu pênis.
ALAOR
(Espantado)
Caramba! Parece
tão real.
BRÁULIO
Mas é real.
ALAOR
Permita...
(Toca em Bráulio) Caramba! Eu posso até te tocar. É bem melhor do que
imaginava. Dá até pra te bater.
BRAULIO
O quê?
ALAOR
Isso que ouviu!
Seu incompetente!
BRAULIO (
Sentido )
Então foi pra
isso que me chamou? Pra me ofender?
ALAOR
Não, foi pra te acusar. A ofensa vem depois. Quero
uma explicação! Agora! Nesse instante ! Imediatamente!
BRAULIO
Não foi minha
culpa senhor, faltou pressão sanguinea no corpo cavernoso.
ALAOR
Por dois
meses??
BRAULIO
No sábado a
pressão chegou a quarenta por cento.
ALAOR
Grande
porcaria! Ficou rígido feito um molusco!
BRAULIO
Não foi minha
culpa... na hora... eu fiquei apavorado...
ALAOR
Apavorado... Ta
aí uma coisa ruim prum pinto dizer. Mas nem vem! Opção sexual quem faz sou eu! Tu só entra onde eu mandar! Não me
venha com novidades.
BRAULIO
Não , não. Não
é nada disso. O problema é que agora...esse meu ofício... virou atividade de
risco!
ALAOR
Risco de que?
BRÁULIO
Decapitação!
Não viu a dona Alzira? Cortou o pênis do namorado. Bem na raiz... Não sobrou
nem um toquinho...Que desgraça meu Deus... (Se emociona) Nem rabo de cachorro
se corta na raiz...fica sempre um toquinho.
ALAOR (Avança
pra cima dele, Bráulio se afasta)
Seu pinto doido!
Então é por isso o corpo mole? Tá com medinho... Tá com medinho...
BRÁULIO
Nem um enterro
digno teve o decapitado... Foi descartado com o lixo hospitalar...
ALAOR
Depois mando rezar uma missa. Quanto a você ... Supere
esses traumas imaginários e volte ao
trabalho imediatamente!
BRÁULIO
Mas...
ALAOR
Não tem mais
nem meio mais. Imediatamente! Tamos entendidos?
BRÁULIO
Sim...
ALAOR
Agora vá! Vá e
reflita sobre esse comportamento
recalcitrante e covarde.
BRÁULIO (Saindo
cabisbaixo)
Sim...
ALAOR
E erga a cabeça
pelo amor de Deus.
Bráulio anda ereto por algum tempo e
antes de sair de cena se curva novamente. Ele sai. Alaor volta pra cama.
ALAOR (Deitando
na cama)
Era o que me
faltava... Pinto doido... Ao invés de camisinha devia usar camisa de
força. Onde já se viu? (Se ajeitando pra
dormir) Vou ter que misturar Viagra com ansiolítico pra coisa funcionar...
Alaor
‘dorme’. Mudança da luz . Tempo. Alaor acorda assustado.
ALAOR
Miriam! Miriam!
MIRIAM (Acorda assustada)_
Que foi??
ALAOR
Sonhei com o Bráulio Miriam!
MIRIAM
Bráulio? Que Bráulio?
ALAOR
Meu pênis! Foi do jeito que o Caboclo falou! Foi
real Miriam. Real! Tão real como agora.
MIRIAM (Olhando por baixo do cobertor )
Sério?! E teve uma ereção?
ALAOR ( Cobrindo-se novamente irritado )
Claro que não!
MIRIAM (Decepcionada)
Aaahh...
ALAOR
A coisa é complicada. Tá traumatizado com o lance da
Alzira. Vou levar num analista!
MIRIAM
E como vai ser ? Numa caixinha, igual cachorro no
veterinário?
ALAOR
Vai fazer piada agora?
MIRIAM (Conciliadora)
Não, vou dormir novamente. (Abraça-o) Chega de
sonhos absurdos com pintos falantes...
ALAOR
O problema não é ele falar é não saber ouvir. Todo delicadinho, sensível. Não
é atoa que filme pornô não funciona. Devia ter colocado a ‘Noviça Rebelde’.
MIRIAM
Tá...vamos dormir. Chega de sonhos fantásticos por
hoje.
Os
dois dormem, musica de fundo e luz do sonho. Mas dessa vez é Miriam que acorda.
MIRIAM
Aí meu Deus... que isso?
Efeitos
luminosos no canto do palco onde Gina vai aparecer.
MIRIAM (Levanta da cama)
Eu tô sonhando... Nossa parece real mesmo, bem que o Alaor
falou... E tem um troço vindo aí... Deve ser o Pinto dele! Aí meu Deus..., será
que ficou bravo com a estória da caixinha de cachorro?
Miriam
anda de um lado para outro no quarto sem saber o que fazer.
MIRIAM (Ar decidido)
Quer saber de uma coisa? Deixa vir! Vou enquadrar o
sujeitinho e acabar com o corpo mole. Pode vir senhor Bráulio. (Para plateia)
Tem que saber falar com pinto, senão ele cresce pra cima da gente...
Entra
Gina. Uma atriz fantasiada de Vagina. Ao contrario de Bráulio a postura dela é
sempre altiva e confiante.
GINA
Eu não sou o Bráulio... sou a Gina.
Miriam
toma um susto, dá um grito e corre pra cama pra ‘acordar’ Alaor.
MIRIAM (Chacoalhando Alaor violentamente)
Acorda Alaor! Acorda! Quer dizer... Vem pro sonho
Alaor! Vem pro sonho! Tem um marisco gigante querendo me pegar!
GINA
Eu não sou um marisco. Sou sua vagina.
MIRIAM
Mentira! Minha vagina é pequena e delicada. Jamais
viria me assustar! Pelo amor de Deus, Alaor! O marisco tá vindo!
GINA
Eu não sou um marisco! Não vim te assustar. Vim
conversar.
Vendo
que Alaor não reage Miriam se refugia de
baixo da coberta ficando totalmente escondida.
MIRIAM ( Sob a coberta)
Isso é um sonho! Isso não tá acontecendo. Vou contar
até três e o mariscão vai desaparecer. Um...
Dois... Três...
Ela tira a cabeça pra fora da coberta.
GINA
To aqui ainda.
Miriam
volta a se esconder.
GINA
O seu marido não fez escândalo com o pênis dele.
MIRIAM ( Falando sob as cobertas)
Vai ver pênis
é menos assustador.
GINA
As vaginas são assustadoras?
MIRIAM
Dependendo da depilação, da distância e da luz: são
sim. ( Coloca a cara pra fora da coberta) Luz direta só no ginecologista. As
vaginas são teatrais, precisam da luz certa.
( Se cobre novamente )
GINA
Ok! Ok! Agora sai daí.
MIRIAM (Saindo da cama timidamente)
Jura que não vai me morder?
GINA
Juro.
MIRIAM
Tem certeza que é mesmo uma vagina? Parece tanto um
marisco gigante...
GINA
Me admira tanta dúvida. Seu marido não fala com o
pênis?
MIRIAM
É que to te achando meio estranha... não errou de
apartamento? Não será a a vagina da Elizabete do andar de baixo? Só
pode! Ela é boa pessoa e tudo, mas deu pra fumar um cigarro de cheiro ruim. Ela
jura que é de menta. Era esquisitinha,
mas agora tá mais. Sê é meio parecida com ela até...
GINA
Eu sou sua vagina! Vim libertá-la das garras do tirano!
MIRIAM (Espantada)
Que tirano??
GINA
Seu marido.
MIRIAM
O Alaor?? Menina, quando aparece barata eu que mato.
Deve ta falando do marido da Elizabete. Só pode! Mau encarado é ele que dá o cigarro de “menta”
pra ela. Imagine... Quem não conhece cheiro de hortelã?
GINA
Tá em negação. Preciso te mostrar a realidade das
coisas .
MIRIAM
Sério?! E pra isso aparece num sonho na forma de
vagina? Essa a realidade das coisas? Eu aqui...de madrugada, falando com a
vagina da maconheira do andar de baixo?
GINA ( Dá alguns passos em direção a Miriam que se
afasta assustada)
Eu não sou a vagina da vizinha. Sou sua! Vim falar
da tática insidiosa pra escravizar as mulheres.
MIRIAM (Confusa)
O machismo?
GINA
Não. O feminismo.
MIRIAM (Espantada)
Tá doida? Ele é a favor das mulheres.
GINA
Completamente alienada! Com o feminismo os homens
transam mais e trabalham menos.
MIRIAM
O ângulo que vê as coisas não te favorece. Nós agora
somos livres.
GINA (Irônica)
Livres?? Pra
fazer jornada dupla enquanto eles engordam tomando cerveja e vendo televisão? Pra
ter dor de cabeça e adiar por uma noite o sexo sem vontade? Pra dividir o
sustento e dar a eles mais tempo
pra engordar tomando cerveja e vendo
televisão?
.
MIRIAM
Você está distorcendo tudo. Mulher também gosta de
sexo. E a oferta aumentou pra nós também. Quanto a homem não gostar muito de
trabalhar... reconheço... eles não são
muito chegados...
GINA
Não foi a oferta e sim a ‘requisição’ de sexo que
aumentou. E quem requisita são os homens.
O prazer das mulheres é o mesmo de duzentos anos atrás. Ou seja, quase
nenhum... Ou fingem orgasmo, ou não tem
ou acham que não existe.
MIRIAM
Pois eu tenho prazer no sexo. Nunca fingi orgasmo, dona Gina! Nunca!
GINA
Sério?! Vai mesmo fazer isso? Vai mentir pra mim? Acha
que eu não sei ? Como prefere os dados? Posso fazer uma tabela 3D no Excel.
MIRIAM
Tá! Tá bom! Reconheço. As vezes eu finjo também.
GINA
Sabe porque
homem nunca finge orgasmo?
MIRIAM
Ora essa! Porque não dá. De que jeito?
GINA
Os homens são tão mentirosos que fingiriam até
ejaculação. Basta um preparado a base de
leite, gelatina e cola branca. (Miriam faz cara de horror) Não fingem porque só
transam quando querem. Já viu algum homem se perguntando se existe orgasmo?
Isso é dúvida de mulher.
MIRIAM
Então tudo é um grande blefe? As mulheres são usadas pelos homens?
GINA
Exatamente.
MIRIAM
Mas aqui em casa dividimos tudo. As contas, o
serviço caseiro. Quem cozinha é ele. Chego
do trabalho e sempre tem comida pronta. Cadê a servidão ?
GINA
Faz parte do ‘modus operandi’ do tirano. É assim que
ele consegue te anular, pela gentileza , pela bondade. É típico do “Tirano
passivo-fascista com táticas nulificantes e dominadoras”.
MIRIAM (Horrorizada)
O que?? Você deve ter fumado cigarro de menta da
Elizabete.
GINA
Não acha estranho nunca terem brigado? Tudo é
negociada pelo ‘bom Alaor’. Tanta harmonia só pode ser artificial, ela não
acontece sozinha. Os Tiranos Passivo-facista são como gatos domésticos, que
aliás, não existem.
MIRIAM (Espantada)
Os gatos não existem?
GINA
Os gatos existem, a condição de ‘doméstico’ é que
não. Os gatos jamais foram domesticados, continuam selvagens. Toleram a
presença humana por causa da comida. Contrariados nos cravam as unhas. Se
perguntar a eles pra que servem os humanos, eles dirão: pra trazer comida aos
gatos. O Tirano Passivo-facista age da mesma forma. Olhe pra ele agora... Não parece um gato gordo e grande?
MIRIAM (Insegura)
Na-não é possível. Na... Não é nada disso. A gente
se trata bem porque se gosta, ora bolas. Só isso!
GINA
Será? Tem certeza disso? Então observe nosso gatinho
e julgue você mesma. Mas observe bem... Meu tempo acabou... Eu volto... Pense
no que eu falei...
Gina
saí. Miriam, confusa, volta para cama.
MIRIAM
Não é nada disso... Não é nada disso... Nossa! Se a minha vagina é assim, imagina como deve
ser a da Elizabete do andar de baixo?
Ela se enrola na coberta. Sai luz dos
sonhos. Amanhece. Alaor acorda, confere as horas. Miriam também acorda
assustada, fica olhando pra ele em silêncio.
ALAOR
Nossa, o sonho com o Bráulio acabou
comigo... Coisa doida...Tá me dando até fome. Deve estar saindo uma fornada na
padaria, vou buscar pão quentinho pra gente. Quer alguma coisa da padaria?
MIRIAM (Desconfiada)
Você nem me disse bom dia e já se oferece pra buscar
pão quentinho... Em pleno sábado de manhã...
ALAOR (Não entendendo )
Por quê? Se quiser trago sonho pra você.
MIRIAM
E ainda oferece sonho...
ALAOR
Não to entendendo ...quer alguma coisa salgada?
Tem pão de queijo , baguete recheada?
MIRIAM
Eu quero que pare de me oferecer coisas...tá me
deixando assustada...
ALAOR (Estranhando)
O que? Se tá se sentindo bem? Quer dormir mais um
pouco.
MIRIAM
E não seja gentil comigo. Isso me assusta ainda
mais.
ALAOR
Mas eu não fiz nada. Eu disse que ia na padaria.
Você não adora comer pão quentinho, daqueles que derretem a manteiga ?
MIRIAM (Levantando da cama e se afastando dele)
Mandei parar e você continua fazendo! Pelo amor de
Deus Alaor... não me faz acreditar que a Gina tá certa.
ALAOR
Que Gina?
MIRIAM
Não interessa. Pare de agir desse jeito. Aja como um
marido normal num sábado de manhã.
ALAOR
Mas não foi o que eu fiz?
MIRIAM
Não foi não ! Você agiu feito um Tirano
Passivo-facista com táticas nulificantes e dominadoras! Do jeito que a Gina
disse que seria...
ALAOR
Quem é Gina??
MIRIAM
Não interessa! Por favor, eu to assustada de
verdade. Para de agir assim...
ALAOR
Assim como? Eu só disse que ia na padaria buscar
pão.
MIRIAM
Mentira! Eu não sou tão boa esposa pra merecer tanto
cuidado. Tanto mimo. Sem produção não sou nem bonita.
ALAOR
Aí meu Deus, agora quem tá com medo sou eu... Sê tá
passando mau?
MIRIAM
Se disser que estou vai fazer o que? Vai na farmácia
buscar um ansiolítico, um antidepressivo
? Ou então pegar o farmacêutico pelo pescoço e trazê-lo até aqui ?
ALAOR
Chega! Olha
pra mim Miriam!
MIRIAM
To olhando.
ALAOR
Vou te fazer uma pergunta e quero que responda
sinceramente. Não vou te julgar, não vou
te criticar.
MIRIAM
Que pergunta?
,ALAOR
Miriam... você fumou o cigarro de menta da Elizabete
do andar de baixo ?
MIRIAM
Droga Alaor! Isso é coisa que se pergunte?
ALAOR (Preocupado)
Aquilo não é menta, Miriam! Aquilo é a hortelã do
capeta !
MIRIAM
Eu nem vejo aquela doida. O problema não é ela. É
você!
ALAOR
Eu?
MIRIAM
Exatamente.
Porque nunca brigamos Alaor? Pode me explicar?
ALAOR
Num sei, sei lá. Isso é ruim?
MIRIAM
Quando essa não ação é intencional e
premeditada... é péssimo!
ALAOR (Faz cara de bobo. Sem entender
nada do que ela está falando)
Oi??
MIRIAM
E não se faça de desentendido, não vai se refugiar
nessa passividade dominadora ! Já entendi o seu jogo Alaor!
ALAOR (Mesma expressão anterior)
Oi??
MIRIAM
Cansei de ser escravizada pela sua bondade! Diga
Alaor! Porque nunca brigamos?
ALAOR
Não estou entendendo nada...isso aqui, agora, não é
uma briga?
MIRIAM
Eu estou brigando com você, mas você nunca briga
comigo. Acha isso justo?
ALAOR
Mas você nunca briga comigo também. Nem sei se
estamos brigando agora. Aliás, o que tá acontecendo aqui?
MIRIAM
Você está me acusando de não brigar com você? É
isso??
ALAOR
Pera aí! A partir de quando brigar passou a ser uma
coisa boa?
MIRIAM
Desde que uma das partes foi privada desse direito!
ALAOR
E virou um direito também? Então tá Miriam. Pode
brigar! Briga aí...
MIRIAM
Não! Você! Você tem que brigar comigo.
ALAOR
Vou perguntar de novo... não é isso que tá
acontecendo aqui?
MIRIAM
Não é não! Briga pra valer tem
xingamento, grito, palavrão. Essa harmonia que a gente vive não é normal. Essa
harmonia não acontece , ela é provocada. Por uma mente doentia e diabólica...
Feito um gato gordo e grande , alimentado a séculos pelos humanos e ainda
assim, não tem por eles nada senão desprezo e indiferença! Me diga... é justo
isso?
ALAOR (Atônito)
Eu não tenho a menor ideia do que sê está falando...
MIRIAM
Mentira! O que você pretende com sua gentileza e
seus préstimos, é me manter na condição de semiescravidão. Mas abriram meus
olhos. E eu sou livre! Livre pra ser infeliz como todo mundo é. Livre pra viver num mundo sombrio e sem
afeto, onde ninguém ama ninguém. Esse é o mundo real, não isso que a gente vive
aqui. E essa mudança começa agora!
Ela
veste um sobretudo e pega a carteira dando a entender que vai sair.
ALAOR (Assustado)
Onde sê vai?
MIRIAM
Na padaria comprar pão.
Saí.
Blecaute. Tempo. Noite. Alaor e Miriam na cama. Luz do sonho e
música de fundo que prenuncia a chegada de Bráulio. Alaor levanta irritado,
percebe que Bráulio está chegando.
ALAOR
Lá vem o transformista. Deve entrar imitando a Maria
Betânia ou cantando ‘I YOU SURVIVE’.
Bráulio entra timidamente.
BRÁULIO
Tu...tudo bem?
ALAOR
Tudo. Tirando o fato de que minha mulher passou a
falar com a própria vagina. O nome dela é Gina... Ou apelido, sei lá... A
Miriam não chegou a usar essas palavras, mas a vagina dela me odeia. E claro...
a culpa é sua.
BRÁULIO ( Assustado)
Aí meu Deus... A vagina da dona Alzira também devia agir
assim... Será que a ideia de cortar o pênis foi dela? Só pode ser ! Não percebe
o risco que estamos correndo? Temos que fugir enquanto é tempo! Que tal Botswana?
Botswana não tem tratado de extradição com o Brasil!
ALAOR (Indo atrás dele ameaçando bater, Bráulio se
esquiva)
Mas qual é o teu problema? É o seu..,como direi...absenteísmo
que tá complicando tudo. É só dar a vagina o que ela quer.
BRÁULIO
Mas quem pode saber o que elas querem?
ALAOR (Irônico)
Quem pode saber o que elas querem? Não sei...de
repente, um pênis saberia. Aliás...você é um pênis , não é?
BRÁULIO
So...Sou.
ALAOR
Tem certeza? Não é um imperador Francês, ou alguém
que ouve vozes ou vê gente morta o tempo
todo?
BRÁULIO
Te-tenho...
ALAOR
Então eu vou perguntar de novo: QUAL É O SEU
PROBLEMA?
BRÁULIO
Estresse pós-traumático....
ALAOR
Estresse pós traumático de que? Você que é um
lunático, um paranoico! A Miriam é
normal. A Alzira que é louca!
BRÁULIO
Aí que está...isso não existe.
ALAOR (Não entendendo)
Mulher louca não existe?
BRÁULIO
Não. Mulher normal.
ALAOR
O que? Como assim mulher normal não existe? Isso é
um...é um... (Pensa um pouco, depois concorda em parte) Tirando os dias da TPM
mulher normal existe sim!
BRÁULIO
E quanto tempo dura cada TPM?
ALAOR
Sei lá...uma semana acho.
BRAULIO
Sobram só três...
ALAOR
E daí ? E depois nunca acreditei muito nisso. É uma
desculpa que inventam pra pirar uma vez
por mês.
BRÁULIO
Na verdade é o contrário. Elas ficam três semanas
fingindo ser normais e na quarta não
aguentam mais fingir e piram. Elas são bombas hormonais e químicas sempre
prestes a explodir. Teve uma no século XIX que esqueceu de fingir e ficou
quatro semanas histérica. Freud viu e nasceu
aí a psicanálise...
ALAOR
E você sugere o que? Camisa de força?
BRÁULIO
Choque elétrico. É o mais eficaz antidepressivo que
se conhece.
ALAOR
Quer que eu plugue minha mulher na tomada?
BRÁULIO (Timidamente)
Mas tem que
ser na lavanderia ...tem uma tomada 220 Volts lá...
ALAOR (Perseguindo ele, que foge)
220 Volts? Tá achando o que seu anormal? Que casei
com o chuveiro elétrico? Mas que cobrinha flácida e maldosa você é!
BRÁULIO
Se um homem pirasse uma semana por mês, onde ia
parar?
ALAOR
Num hospício.
BRÁULIO
Percebeu? A TPM foi uma coisa que inventaram pra
esconder a verdade.
ALAOR
Sério? E ninguém no mundo percebeu isso? Só você?
BRÁULIO (Ar de quem revela um grande segredo )
Elvis sabia...
ALAOR (Perdendo a paciência)
Tenho uma coisa aqui, seu lunático, que vai te
trazer a realidade.
Alaor
pega uma toalha e mostra a Bráulio que não entende.
BRÁULIO
Uma toalha??
ALAOR
Na verdade é uma legitima toalha de algodão ‘made in
china’, cem por cento poliéster. Eu explico... Minha intenção era te dar uma
surra de gato morto. Aquela em que a pessoa bate até o gato miar. Mas gato morto é um troço difícil de se
conseguir, daí resolvi te dar uma surra de toalha molhada. Aquela em que a gente bate até a
toalha secar. (Bráulio se assusta) Lembro que é uma toalha de algodão ,cem por
cento poliéster. Comprei numa loja de um e noventa e nove. No mês passado ela
era um grupo de garrafas PET boiando no Mar Amarelo. Repare como é áspera, tem
ação esfoliante. Dá até pra arear panela.
Alaor
avança pra cima de Bráulio que corre.
BRÁULIO
Piedade! Toalha molhada não!
ALAOR
Tem razão. Preciso molhar! Já volto.
Bráulio
entra na frente dele e o impede de sair.
BRÁULIO
Não! Clemência! Eu vou me esforçar! Vou dar o melhor
de mim ! Eu rogo aos seus bons sentimentos!
ALAOR
Vou mostrar onde andam meus bons sentimentos. A
Miriam tá estranha demais, pode ser influência da Elizabete do andar de baixo. Daí
tomei minhas providências.
BRÁULIO
Quais ?
ALAOR
Dei um telefonema anônimo e entreguei a maconheira
pra polícia!
BRÁULIO
Aí meu Deus... e o que a polícia fez?
ALAOR
O de sempre. Nada! Mas deu pra mostrar onde andam
meus bons sentimentos. O próximo a se acertar comigo é você! Amanhã vou ter uma noite de sexo com a Miriam.
Pra tudo voltar a ser como antes. E pra isso, você, seu inútil, vai cumprir sua
obrigação.
BRÁULIO
Eu vou dar o melhor de mim! Eu juro! Tem toda
razão... exagerei um pouquinho .
ALAOR (Mostrando a toalha)
Tá vendo isso
aqui, né?
BRÁULIO
Tô , to sim...
ALAOR
Acredite... Um gato morto seria mais macio... Amanhã
sem falta! Tamos entendidos?
BRÁULIO (batendo continência)
Sim senhor!
Blecaute.
Tempo. Noite do dia seguinte. Alaor e Miriam em pé em frente a cama. Carinhos e
afagos.
MIRIAM
Aí Alaor ...tô tão precisada...
ALAOR
A tua privação acaba hoje. ( Beija o pescoço dela,
ela se arrepia) Seus problemas acabaram!
MIRIAM (Manhosa)
Tem certeza? Tô derretendo feito manteiga... tô
doida pra você me passar no pão...
ALAOR
Só se for agora! (Joga Miriam na cama)
MIRIAM
Tomou Viagra pra garantir?
ALAOR
Tomei Viagra, Cialis,Levitra, Helleva, Pramil e meia
garrafa de Catuaba!
Miriam
dá gritinhos de felicidades.
ALAOR
Tô mais ligeiro que o Jairzinho na copa de setenta!
MIRIAM
Então vem meu artilheiro! Vem! Invade a área e faz o
gol!
Alaor
confere dentro do short pra ver se tem alguma reação. Já não fica tão seguro.
ALAOR
Tô-tô que nem o Ronaldo na final contra a Alemanha!
MIRIAM
Então vem pra cama fenômeno! Vem!
ALAOR ( Olha de novo dentro do short. Nada.)
Tô feito o Pelé fazendo o gol mil no Maracanã!
MIRIAM
Tudo bem que foi de pênalti! O importante é a bola
entrar! Vem Alaor! Vem... Tô no ponto, é só finalizar! Tá sem goleiro...
Alaor
olha pra dentro do short. Fica aflito, tenta disfarçar pra Miriam não perceber.
ALAOR (Começa a entoar um cântico de futebol. Gesto característico,
mão pra cima, num vai e vem simulando empolgação)
EU/Sou brasileiro/Com muito orgulho/Com muito
amor... Eu/Sou Brasileiro....
MIRIAM (Já irritada com a demora dele)
Tá bom já. Vem pra campo vem! Deixa a seleção de
lado... vem jogar uma pelada aqui comigo...
ALAOR
Entra nessa onda verde-amarela Miriam! EU/Sou brasileiro/Com muito orgulho/Com muito
amor... Eu/Sou Brasileiro....
MIRIAM ( Senta na cama irritada)
Já deu Alaor! Vem pra cama agora!
ALAOR (Tentando disfarçar. Está ainda mais aflito)
Esse é o país do futebol, Miriam... Vamô extravasar
essa alegria... EU/Sou brasileiro/Com muito orgulho/Com muito amor... Eu/Sou
Brasileiro....
Miriam
cruza os braços e fecha a cara. Luz vai apagando lentamente ao som do canto de
Alaor. Escurece ao som do canto dele , entra também o som de um relógio (Tic-Tac, Tic-Tac) . O canto
dele para, fica apenas o som do relógio. Luz vai acendendo lentamente e o
Tic-Tac diminui. Alaor agora canta a música ‘Pra frente Brasil’. Houve pequena passagem de tempo. Miriam dorme profundamente esparramada na cama.
Alaor está no mesmo lugar, longe da
cama, só que sentado, quase caindo no sono e cantando ‘Pra frente Brasil’
enquanto balança debilmente uma bandeirinha do Brasil.
ALAOR
Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil.../Salve a
seleção.../To...todos juntos...vamos/Pra frente...Brasil/ Salve a seleção...
Ele
cai profundamente no sono, deixa cair a bandeirinha. Ouve-se o som alto do
ronco dele. Palco vai apagando lentamente e novamente entra o som do relógio.
(Tic-Tac, Tic-Tac). Quando palco está escuro para o relógio e entra a música
‘Vida de Negro’ de Dorival Caymmi, tema
da novela escrava Isaura. http://letras.mus.br/dorival-caymmi/1622447/
. Com
o palco ainda escuro entra o refrão da música. “Lerê,lerê,lerê,lerê...” Quando o palco se ilumina vê-se Bráulio
ajoelhado com as mãos postas num gesto de suplica enquanto Alaor com ar
enfurecido , segura a toalha chinesa como se fosse um chicote. Baixa a música .
ALAOR ( Dando uma toalhada em Bráulio)
Toma!
BRAULIO (Gritinho num tom feminino e cômico )
Aí!
ALAOR
Toma!
São
quatro ‘lapadas’ e quatro gritinhos de Bráulio. Blecaute. Passagem de tempo. Miriam e Gina em
cena. Miriam sentada, ar de chateação.
GINA
Broxou de novo né?
MIRIAM
Broxou... Eu tô... eu tô...como vou dizer...
GINA
Subindo pelas paredes por falta de sexo ?
MIRIAM
Ia dizer
chateada. Só isso! O Alaor tá
passando por um momento difícil... tenho
que entender...
GINA
Continua
defendendo o Tirano? Não se diz “liberada”? Então libera pra algum vizinho.
MIRIAM
Tá maluca,é? Muito me admira! Que tipo de
mulher acha que eu sou?
GINA
Não sei... Sei lá...Talvez uma doida se
virando com o sabonete íntimo durante o banho...
MIRIAM (Horrorizada)
Como é que é?? Eu sou uma mulher adulta. Não uma
adolescente ! To passada com você Gina! Passada!
GINA
Sério? Vai mesmo tentar de novo? Vai mentir pra mim?
MIRIAM (Vacilante. Demora a responder. Magoada.)
Veio aqui tripudiar em cima de mim ? Parabéns! Excelente
trabalho.
GINA
Vim pra te
libertar. E pra defender o planeta, fecha a água enquanto usa o sabonete.
Imaginou se toda mau amada agir assim? Vamos acabar tomando banho com água
salgada... Não vai ter água doce pra todo mundo.
MIRIAM
Tá! Tá bom! Podemos mudar de assunto?
GINA
Claro. Me
permita um último comentário.
MIRIAM (Agoniada)
O que?
GINA
Aquela sua ideia de usar o frasco de condicionador
não vai dar certo. Vai acabar machucando nós duas. Se é que você me entende...
MIRIAM
Entendi! Foi uma ideia só. Podemos mudar de assunto?
GINA
Íamos acabar no pronto socorro. Que desculpa ia dar
pros médicos?
MIRIAM
Gina, como esse papo tá assaz agradável ... é melhor
continuar outro dia.
GINA
Se tá tão carente assim , vai num desses bordeis pra
mulheres? Lá até vovozinha transa a vontade.
MIRIAM
Bordel pra mulher? Isso nem existe.
GINA
Nem isso nem Viagra feminino. Porque será né?
MIRIAM
Gina sê veio aqui pra me enlouquecer? É isso?
GINA
Vim livrá-la
de algo que parece bom mas no
fundo é péssimo.
MIRIAM
Que saco! Vou jogar o condicionador fora. Tá bom
assim?
GINA
To falando do seu casamento. Mas é bom se livrar do
condicionador. To ficando preocupada.
MIRIAM
O que tem meu casamento?
GINA
Agora que o sexo deixou de existir, já pode seguir o seu ‘destino manifesto‘.
MIRIAM
Destino manifesto?
GINA
O Divórcio.
MIRIAM
Divórcio? Não quero me separar ! Eu gosto do Alaor.
GINA
Pra trocar lâmpada e pneu de carro?
MIRIAM
O que você quer afinal? Qual a grande
ideia?
GINA
A revolução feminina, a verdadeira. Queimar sutiã
pode até ser um ato libertário. Mas entrar numa loja no dia seguinte e
comprar sutiãs novos é .uma coisa idiota. Sabe porque os homens reclamam tanto
que mulher fala demais?
MIRIAM
Porque são chatos e implicantes?
GINA
Não. Porque o raciocínio deles é lento. Eles não
conseguem acompanhar . Pra eles parece que tudo tá rápido mesmo. Até a visão deles é deficiente, mau conseguem
distinguir tons de roxo ou rosa, como vão saber o que é fúcsia? O que esperar de um mundo governador por criaturas
assim? Com raciocínio lento, visão precária e falta de disposição pro trabalho?
MIRIAM (Descrente)
Entendi. O que tenho que fazer é mudar a ordem
mundial. Por onde começo?
GINA (Tom professoral)
Bem... uma
revolução não se faz só com palavras. Inclusive... Preciso que compre uma coisa
pra mim.
MIRIAM
O quê?
GINA
Um litro de gasolina, uma garrafa vazia e um pedaço
de pano.
MIRIAM (Não entendendo nada)
Pra que diabos vai querer isso?
GINA
A palavra revolução mais gasolina, garrafa vazia e
pedaço de pano, não lhe traz nada a mente?
MIRIAM (Ainda mais confusa)
Não. Não tenho ideia...
GINA
Então tá... Compre o que falei , depois eu explico.
MIRIAM (Insegura)
O que eu vou ter que fazer?
GINA (Severa)
A coisa certa!
Blecaute.
Tempo. Miriam chega em casa, está nervosa. Coloca em cima do móvel um saco
plástico com gasolina, uma garrafa vazia e um pedaço de pano. Olha intrigada.
MIRIAM
Gasolina, garrafa vazia e pedaço de pano... Pra que diabos a Gina iria querer isso, meu
Deus? Alaor sê tá em casa?
ALAOR (Em off)
To! Cheguei faz tempo.
MIRIAM (Andando de um lado pra outro)
To precisando falar com você. Vem cá.
ALAOR (Off)
To indo.
Miriam
fica de costas para o ponto de onde Alaor vai surgir. Alaor entra em cena com
ar intrigado, nas mãos o condicionador que Miriam havia comentado com Gina. É
uma embalagem grande com motivo fortemente fálico, parte de cima num tom
avermelhado.
ALAOR
Porque você jogou esse condicionador fora?
MIRIAM (Vira e dá um grito ao ver o condicionador )
Aaaahh!
ALAOR (Tomo um susto)
Que foi?
MIRIAM
Vo...você é vira-lata agora pra mexer no lixo?
ALAOR
Porque jogou esse condicionador fora? Tá cheinho...
MIRIAM
Por quê? Ora porque... Tá com...com defeito , tá
quebrado na tampa.
ALAOR
Quebrado na tampa? Não podia colocar em outro frasco?
(Mexe na tampa tentando encontrar um defeito)
MIRIAM
Prefiro não discutir. Além de revirar lixo pode morder também. Tô...tô precisando
conversar umas coisas. Para de mexer nisso pelo amor de Deus!
ALAOR
Calma! Tô arrumando. Aliás não to vendo nada quebrado.
Sê quer conversar o quê?
Miriam
observa agoniada Alaor mexendo no condicionador.
ALAOR (Observando formato da embalagem)
Nossa... Embalagem esquisita. Meio cabeçuda. Parece
até uma ...uma...uma romã.
Miriam
perde o controle , arranca a embalagem das mãos dele e joga para fora de cena.
Que ao cair quebra mais alguma coisa com estardalhaço. Alaor toma um susto
ainda maior. Permanece olhando pra ela sem coragem de dizer nada.
ALAOR (Falando enfim, com extremo cuidado)
Posso...posso perguntar?
MIRIAM
Não! Aliás...pergunto eu: de que cor é meu esmalte?
ALAOR
Como é?
MIRIAM
De que cor é meu esmalte,me diga?
ALAOR (Confuso com as atitudes dela. Olha para as
unhas)
Rosa?
MIRIAM
É rosa isso?
ALAOR
Rosa avermelhado?
Ela
olha feio pra ele.
ALAOR
Quem sabe um vermelho assim...meio rosado...
MIRIAM
Já ouviu falar em fúcsia?
ALAOR
Claro que já. É um tom assim...meio...meio furta
cor.
MIRIAM
E ao ser ‘furtada’ como a cor fica? Qual o tom? Cor
de burro quando foge?
ALAOR
Nesse caso... o burro não tem pra onde fugir, não
tem pra onde correr... (Ela continua olhando feio pra ele) Miriam pelo amor de
Deus não me diga que você tava de papo com a Elizabete?
MIRIAM
Eu não falo com a Elizabete. Reclamei com o síndico por
causa da fumaça. Do cheiro de ...de menta. A Elizabete ficou na bronca, nem me
olha.
ALAOR
Não sei se isso me alivia ou me deixa mais aflito.
MIRIAM (Séria
e triste)
Bom, num sei! Deixa isso pra lá. Andei falando com a
Gina. Ela é radical e tudo, mas em muita coisa ela tá certa. Talvez fosse bom
pra nós...
ALAOR (Interrompe a conversa assustado)
Eu não quero ter essa conversa Miriam, não quero!
Pode parar por aí!
MIRIAM
Deixa eu falar...
ALAOR
Eu não quero ouvir, não quero! Mulher quando diz:
‘bom pra nós’ é sinal de que vem coisa péssima pra todos!
MIRIAM
Deixa eu falar! Pode ser bom pra nós dois sim.
ALAOR
Quando Salomé pediu a cabeça de João Batista, ela achou
que fosse uma coisa boa! João Batista nunca mais foi o mesmo...
MIRIAM
Para! A Gina me aconselhou...
ALAOR (Interrompendo)
Com Salomé também foi assim! A mãe dela que deu a
ideia! Imagine o que essa mulher pedia no dia das mães?
MIRIAM
Prefere fingir que nada tá acontecendo?
ALAOR
Claro que não Miriam! Eu...eu já to cuidando de
tudo. É que agora... tem uma coisa urgente pra gente fazer.
MIRIAM
O que?
ALAOR (Pegando um fio grosso de cobre desencapado)
Consertar a
parte elétrica do apartamento.
MIRIAM
Como é ? Qual o problema?
ALAOR
O problema é
na... na amperagem do gerador de voltagem do dínamo do difusor iônico da caixa
geral...
MIRIAM
O que?? Mas não dá pra esperar? Tamos numa discussão
importante aqui.
ALAOR
Mas é por isso mesmo. Daí vamos conversar com mais
tranquilidade. Tenho certeza que você vai ficar bem mais calma. Confie em
mim...
MIRIAM
Mas o que tenho que fazer?
ALAOR (Mostrando o fio de cobre)
Enfiar esse fio de cobre na tomada.
MIRIAM
Tá doido?? Eu vou tomar um choque.
ALAOR
Não vai não. Tá sem corrente. Justamente por causa
do problema no... no dispersor magnético
do platinado eletrostático da caixa de ampér.
MIRIAM
Mas eu tenho medo. Pra que fazer isso?
ALAOR
Pra aterrar! Tem campo magnético só, não tem
corrente. Coisa de cinco minutos. Aterragem magnética é terapêutica, sabia? Vai
descarregar até suas energias negativas. É uma espécie de Floral de Bach, só que
elétrico...
MIRIAM (Se aproxima da tomada com o fio de cobre nas
mãos)
Não sei não... Eu não vou tomar um choque?
ALAOR
Claro que não Miriam. Confie em mim. Mas encosta de
uma vez. Numa tacada só. Vou contar até três e você enfia o fio de cobre. É
um...é dois...
Uma
enorme gritaria acontece do lado de fora. Do corredor vem gritos de ‘Mão na
cabeça! Mão na cabeça’, ‘Polícia! Polícia! Polícia!’, ‘Mão na cabeça
vagabundo!’. Miriam toma um susto. Larga o fio de cobre e se junta a Alaor que
também está assustado. Os dois ficam paralisados ouvindo a confusão.
VOZ DO MARIDO DE ELIZABETE DO ANDAR DE BAIXO
Eu não fiz nada! Eu não fiz nada! Sou morador! Sou
morador! Eu moro aqui!
MIRIAM
É a voz do marido da Elizabete!
ALAOR (Assustado)
Vixi... os homê vieram...
VOZ DE ELIZABETE
Que que tá acontecendo? Por que tão prendendo meu
marido? Por que tão prendendo ele?
MIRIAM
Aí meu Deus, é a Elizabete!
VOZ DE ELIZABETE
É violência policial isso! Tão prendendo ele por
quê?
VOZ DO POLICIAL
Pelo mesmo motivo que vamos prender você. Lucão!
Algema a vadia.
VOZ DE ELIZABETE (Histérica)
Não! Não! Me larga! Me larga!
VOZ DO POLICIAL
Acalma ela Lucão! Acalma ela! Aplica anestesia!
VOZ DO POLICIAL LUCÃO (VOZ MUITO GROSSA E GUTURAL)
Anestesia geral tenente?
POLICIAL
Claro que não maluco! Aplica homeopatia. Homeopatia!
Faz assim...três gotinhas tá bom.
Ouve-se
o som de três tapas estalados na cara de Elizabete, cada tapa é acompanhado por
um grito.
POLICIAL
Pronto! Acalmou. Agora leva! Junta e leva! Leva
esses maconheiro pra delegacia!
Som de
passos escada abaixo. Depois portas de carro batendo, sirene de viatura. Se
afastam.
ALAOR
Pelo menos foi esclarecido o mistério...o cigarro
não era de menta.
MIRIAM
Algum safado entregou eles! Coitadinha...até na cara
a Elizabete tomou... Não precisava disso gente... Não precisava... E o pior é
que eles vão pensar que fui eu!
ALAOR
Será Miriam?
MIRIAM
Mas é evidente! Eu entrego ela pro síndico e depois
acontece isso. Acha que vão pensar o que?
ALAOR (Temeroso. Ar arrependido.)
Será? É muita maldade pensar isso da gente.
Imagine...
MIRIAM
Mas vou descobrir quem foi o espírito de porco que
fez isso!
ALAOR
Espírito de porco não, né Miriam. Vai ver é só um
espírito sofredor e confuso, que sem perceber...exagerou um pouquinho. Mas já
deve estar arrependido...
MIRIAM
Arrependido coisa nenhuma! Isso é coisa de gente
ruim!
ALAOR
Não é não Miriam. É coisa de gente boa passando por
um momento ruim. Que com certeza já se arrependeu...
MIRIAM
E você ainda defende um monstro desses?
ALAOR
Não é monstro não, Miriam. É só um bichinho infeliz
, assustado... e arrependido...
MIRIAM
To mortificada . A pobrezinha da Elizabete... tão
magrinha, tão pálida, parece de cera... Como vai ser na prisão?
ALAOR
Mas elas tomam banho de sol lá. E a refeição é
servida sempre num mesmo horário. Vai dar pra ela engordar e pegar uma
corzinha...
MIRIAM
Que pecado meu Deus... Que pecado... Na cara! Deram
na cara dela! Mas Deus há de castigar o espírito maligno que fez isso!
ALAOR
Miriam não se deve praguejar dessa maneira. Não é
uma coisa cristã. Vai ver foi um espírito bondoso ,mas equivocado ...e
arrependido.
MIRIAM
Coisa cristã? Vou perguntar de novo. Você não é Ateu?
ALAOR
Sô! Sô sim! Mas to quase desistindo... O
cristianismo tem mais opções pra quem precisa ser perdoada...
MIRIAM (Ela avança pra cima dele, que temeroso se
afasta)
Que papinho é esse Alaor? Sê tá sabendo de alguma
coisa? Sê tem algum suspeito?
ALAOR (Ainda mais assustado)
Na verdade eu tenho um culpado...
MIRIAM
O que?? E quem é?
ALAOR
Se eu falar sê jura que não fica nervosa?
MIRIAM (Quase gritando)
Quem disse que eu to nervosa??
ALAOR
Tem razão... Você não tá nervosa...
MIRIAM
Fala!
ALAOR (Vacila por instantes. E muda para um ar
seguro e confiante)
Foi a dona Alcina do 212!
MIRIAM
A dona Alcina?! A velha solteirona?
ALAOR
Ela mesma! Ouvi ela conversando com uma vizinha. Achei
que fosse papo furado. Mas olha só!
MIRIAM
Meu Deus...
ALAOR
Essa mulher tem uma pedra no lugar do coração.
Coitadinha da Elizabete... Deram na cara dela! Polícia tem a mão pesada... Na
certa doeu...
MIRIAM
Vou falar com o síndico. O certo era expulsar essa
bruxa daqui! Depois eu vejo isso. Voltando aquele outro assunto...
ALAOR (Aflito querendo mudar de assunto.
Vai até a garrafa, o pedaço de pano e a gasolina)
O que é isso?
MIRIAM
A Gina que mandou comprar, não tenho ideia pra que
serve.
ALAOR
Mas isso é gasolina. Uma garrafa vazia, pedaço de
pano e gasolina... Será que é alguma
charada?
MIRIAM
Deve ser... Pois então Alaor, voltando ao assunto.
ALAOR (Novamente desviando o assunto)
Já sei! A gasolina é solvente. Na certa é pra molhar
no pano e limpar alguma coisa.
MIRIAM
E a garrafa vazia? Onde entra nisso?
ALAOR (Pegando a garrafa)
Pois é... pra que a garrafa?
MIRIAM
Bom Alaor... Deixa eu falar agora... Passei a manhã
inteira pensando no que a Gina falou...
ALAOR ( Interrompendo novamente. )
Já sei! (Pega o pano e coloca no bico da garrafa) É
só colocar o pano aqui , molhar na gasolina e acender. É um abajur rústico.
MIRIAM
Tá doido? Um troço desses ia botar fogo na casa.
Então... como eu tava dizendo...
ALAOR (Interrompe novamente)
Quer saber?
Vou tomar uma atitude é agora! To revoltado Miriam! To indignado!
MIRIAM (Não entendendo)
Indignado com o que?
ALAOR
Com a bruxa que entregou a coitada da Elizabete. Vou
falar com o síndico é agora! Eu não aguento injustiça Miriam. Não aguento! Na
cara! Deram na cara da menina! Vou tomar uma atitude e é agora!
Alaor
sai.
MIRIAM
Volta aqui Alaor! Volta aqui! Não vai fugir da
conversa não. Volta aqui!
Blecaute.
Passagem de tempo. Entra a música ‘Trocando
em miudos’: http://letras.mus.br/francis-hime/424186/
. A
Música baixa a medida que a luz aumenta. Música para. Alaor está sentado num
canto tristissimo. Miriam se aproxima da porta, malas em punho. Alaor a observa com ar derrotado.
ALAOR
Você vai mesmo embora , Miriam?
MIRIAM
Vou. Tá decidido.
ALAOR
Acho que é nessa parte que separam a cabeça e o
corpo do João Batista.
Miriam
se aproxima da saída, está indecisa, insegura.
MIRIAM
Então é isso... Eu...eu vou indo. Sê vai ficar bem?
ALAOR
Vou Miriam, vou... Quem sabe uma música espanta esse
baixo astral.
Miriam
segura as malas, faz menção de ir embora e de novo fica parada com as malas nas
mãos. Alaor vai até o toca disco (ou
qualquer aparelho equivalente) e coloca um CD. Miriam o observa enternecida.
Alaor volta a sentar-se na mesma posição em que estava, ar de tristeza e
resignação. Toca a música ‘A flor e o
Espinho’ de Nelson Cavaquinho : http://letras.mus.br/nelson-cavaquinho/307086/
. Miriam larga as malas e abraça
Alaor. Para a música.
ALAOR ( Com Miriam agarrada no pescoço
dele)
Que isso Miriam?
MIRIAM
Eu não quero ir embora! Não quero! Vou fazer a
revolução das mulheres em casa, sendo feliz e dormindo de conchinha!
ALAOR
Mas Miriam...
Juntos vamos formar o que? Um casal de Eunucos?
MIRIAM
Vamos enquadrar o Bráulio e a Gina! Eles é que são o
problema. Quem manda aqui? Eles ou nós?
ALAOR
É isso mesmo
! Você está certa. Olha só onde eles nos fizeram chegar. (Aponta pra
malas) A culpa é desses dois. Mas o que
fazer?
MIRIAM
Simples. Juntar os dois e deixar que se entendam
sozinhos.
ALAOR
O Bráulio e a Gina juntos? E eles vão se entender?
MIRIAM
Claro que vão . Eles se completam. Um pinto
recalcitrante e uma vagina pós-revolucionária,pós-moderna. Foram feitos um pro
outro. Pensa bem... Eles são parte de nós, se nos gostamos eles devem se gostar
também.
ALAOR
Eu vou no Terreiro do Caboclo encomendar esse
encontro.
MIRIAM
O seu pênis sempre se deu tão bem com a minha
vagina...não é agora que vão se estranhar. Eu tenho certeza...vai dar certo.
Eles vão ser razoáveis, vão resolver isso de um jeito civilizado. Tenho certeza!
Se
abraçam. Blecaute. Fim do blecaute, entra música tema de
faroeste: http://youtu.be/5CpbsotNCXQ. Luz amarelada imitando sol do deserto. No
auge da música entram Bráulio e Gina cada um de um extremo do palco. Postura de
Pistoleiros num duelo. Cada um deles tem um cinturão com revólver na cintura. Andam um em direção ao outro,fazem
o giro no centro do palco se encarando e cada vai para um dos cantos do palco
(Nesse trajeto Bráulio olha detidamente para a arma de Gina). Se encaram prestes a sacar suas armas.
GINA
Essa cidade é pequena demais pra nós dois senhor
Bráulio.
BRÁULIO
Faço minhas suas palavras dona Gina. Quando o sol se
por só restara um de nós nessa cidade.
GINA
Tenho certeza que o senhor será apreciado pelos
abutres. Lembrarei do senhor ao ver seus
ossos secando ao sol do deserto.
BRÁULIO
Erra duplamente dona Gina. Primeiro não serei eu o
prato a ser servido. E em segundo lugar...pinto não tem osso.
GINA
Vai ser difícil guardá-lo apenas na lembrança. Sua figura pífia não deixa muita coisa na memória. Adeus senhor Bráulio.
BRÁULIO
Adeus dona Gina.
Gina é
a primeira a sacar a arma. Bráulio não saca, apenas observa as ações dela com
tranquilidade. Gina faz o gesto de puxar o gatilho mas a arma não dispara.
GINA (Mexendo no revólver tentando descobrir porque
não funciona)
Aí meu Deus! O que deu nesse troço??
BRÁULIO (Sacando sua arma)
A arma tá travada.
GINA (Ainda mais nervosa mexendo na arma)
Onde destrava isso?
BRÁULIO
Certamente não vou te dizer. Deu pra ver daqui. Pelo
visto não vê muita televisão. Mãos ao
alto!
Gina
larga a arma e ergue as mãos.
GINA
Eu não falei?! Arma é coisa de homem! Pois que seja!
Atire! Não se faz uma revolução sem mártires. Atire!
Alaor
e Miriam, que estavam deitados na cama ‘dormindo’, levantam.
ALAOR/MIRIAM
Não!!
ALAOR
Não faça isso Bráulio.
GINA (Para Miriam)
Depressa! Comprou as coisas que eu pedi?
MIRIAM
Comprei. A gasolina, a garrafa e o pedaço de pano.
GINA
Então monta e me traz!
MIRIAM
Montar?! Mas eu não sei como monta.
GINA
Como não sabe? Coloca a gasolina na garrafa, o pano
no bico e acende!
Miriam (Estranhando)
Ah é??
ALAOR
Tá vendo Miriam? Não falei que era um abajur?
MIRIAM
Chega! Abaixe essa arma senhor Bráulio. Vamos
negociar uma rendição digna.
GINA ( Ainda com os braços levantados )
De jeito nenhum! Prefiro um fim trágico há uma
rendição digna.
BRÁULIO (Colocando a arma de volta no coldre)
Vou ficar lhe devendo dona Gina. A arma é de
plástico.
GINA (Abaixa as mãos indignada)
Mas que tipo de idiota vai num duelo com uma arma de
brinquedo?
ALAOR (Apontando para Bráulio)
Esse tipo!
Esse tipo!
BRÁULIO
Mas a arma dela estava travada.
ALAOR
E se não estivesse? Ia fazer o que?
BRÁULIO
Bom...usaria o plano A. Ia ajoelhar e implorar
clemência. Eu imploro divinamente, ela iria se comover.
ALAOR (Parte pra cima dele,Bráulio foge )
Implora divinamente?? Esqueceu da surra de toalha
molhada? Mas você é mesmo um imprestável! Me fazendo passar vergonha diante da
vagina da minha mulher. De novo! Aliás...como sempre!!
MIRIAM
Calma Alaor. Foco. Vamos resolver isso com diálogo. (Abraça Alaor) Felizmente já sabemos onde
está o problema.
BRÁULIO/GINA
Onde??
MIRIAM/ALAOR
Em vocês!!
MIRIAM
Primeiro o senhor Bráulio cria caraminholas com a
estória da Alzira. Depois você aparece Gina, com essas teorias
pós-revolucionárias,pós-modernas. E veja a que ponto vocês dois chegaram.
BRÁULIO
A culpa é dela!
GINA
A culpa é dele!
MIRIAM
A culpa é dos dois. Vocês são iguais.
GINA (Indignada)
Nunca fui tão ofendida! Como pode me comparar a um pênis?
BRÁULIO
Ofendido fiquei eu! Ser comparado a uma vagina. Nem
em mil anos!
ALAOR (Irônico)
Menos Bráulio...menos.... Com uma pequena cirurgia e
uns hormônios, num mês vocês se tornam irmãs.
BRÁULIO
O que?
MIRIAM
Não complica Alaor. Vamos agir civilizadamente.
Todos aqui de um jeito ou de outro se conhecem, mas a situação demanda uma
apresentação formal. (Pega Gina pelo braço e a trás para perto de Alaor ) .
Alaor... Essa aqui é a minha vagina. A Gina.
ALAOR (Estende a mão constrangido)
Muito prazer senhorita, digo, senhora... ou seria
...como prefere que trate a sua pessoa?
GINA
Vossa Senhoria tá bom pra mim. (Estende a mão pra
ele primeiro no gesto de aperto e depois coloca a palma da mão para baixo,
deixando claro que Alaor teria que beijar sua mão num gesto de reverencia )
ALAOR ( Beijando-lhe a mão timidamente )
Me sinto honrado em conhecer ...Vossa Senhoria.
GINA
A honra é toda sua.
ALAOR ( Trazendo Bráulio )
(Para Bráulio falando baixinho) Vê se não me
envergonha mais uma vez. (Para Miriam) Miriam...esse é meu ...meu pênis.
BRÁULIO
Muito prazer
em conhecê-la assim, formalmente dona Miriam. Aprecio a forma racional e
sensata como está tratando a situação.
MIRIAM
Muito obrigada senhor Bráulio.
BRÁULIO
É raro tanta sensatez e racionalidade numa mulher. É
uma grata surpresa.
GINA
O que??
ALAOR (Dando um cutucão em Bráulio)
Você não resiste,não é? Tem que falar bobagem.
MIRIAM
Ele não falou por mau. Eu entendi, eu entendi. Essa situação toda
surgiu do desatino da Alzira , eu entendo sua desconfiança senhor Bráulio. Mas
lhe garanto, aqui o senhor não corre o menor risco.
GINA (Pega a arma e tenta destravar )
Fale por você!
MIRIAM (Tirando o revólver dela)
Me dá isso aqui! E quanto a você ,dona Gina, está na
hora de demonstrar um pouco de
sentimento,um pouco de afeição. Eles são os machos de nossa espécie, não podem
ser ‘descartados’.
GINA
Mas eu nunca disse isso. Nem fui injusta com os homens, pelo contrário, eu
tento libertá-los das trevas da ignorância, do atraso ,da burrice e da preguiça
que eles vivem mergulhados. Eu quero salvá-los.
MIRIAM
Mas eles são homens Gina. Homem é assim mesmo. Foi
Deus que os fez assim. Pra quem partiu de um punhado de barro até que foi um
bom trabalho.
GINA
Um pote de barro seria mais útil.
ALAOR (Para Gina)
Não dá pra ouvir isso calado. Você permite que eu
diga uma palavra a favor dos homens?
GINA (Com desdém)
Desculpe... Mas creio que entendi mau o pronome que
usou.
ALAOR (Corrigindo imediatamente)
Vossa senhoria! Vossa senhoria! Pois então... Vossa
senhoria permite que eu diga uma palavra a favor dos homens?
GINA (Secamente)
Não!
MIRIAM
Nós estamos decididos, Alaor e eu. E Vocês dois,
Bráulio e Gina, terão que conversar e chegar num acordo. Sabe Deus como, sabe Deus quando...
ALAOR
Aja o que houver eu e Miriam continuaremos
juntos.
MIRIAM
Ainda que sem sexo. Casais que se odeiam conseguem
viver assim, porque duas pessoas que se amam não poderiam? Vamos Alaor, os dois tem muito que conversar.
GINA (Para Miriam)
Vai me deixa sozinha com ele?
BRÁULIO (Para Alaor)
Vai me deixar sozinho com ela?
ALAOR
Não! Vocês vão ficar um na companhia do outro.
MIRIAM
Decidam juntos o que fazer. Vamos Alaor.
Alaor e
Miriam saem. Bráulio e Gina se encaram. Luz vai apagando lentamente , em pleno
blecaute entra uma música própria das cenas aceleradas do cinema, uma música
rápida. Luz vai aumentando, Bráulio e Gina seguem o ritmo rápido da música,
como se a cena estivesse acelerada, gesticulando intensamente , descordando um
do outro, gestos de desdém e dedo em riste, deixando claro que não se entendem.
Sem diálogos audíveis, apenas o som da música e o movimento acelerado dos
personagens. Música atinge o auge, palco vai escurecendo novamente. Quando
palco está escuro entra a música ‘Vida
de Negro’ de Dorival Caymmi. http://letras.mus.br/dorival-caymmi/1622447/
. Com
o palco ainda escuro entra o refrão da música. “Lerê,lerê,lerê,lerê...” Quando o palco se ilumina vê-se Bráulio
ajoelhado com as mãos postas num gesto de suplica enquanto Gina, com ar
enfurecido , segura a toalha chinesa como se fosse um chicote. Baixa a música .
GINA ( Dando uma toalha em Bráulio)
Toma!
BRAULIO (Gritinho num tom feminino e cômico )
Aí!
GINA
Toma!
São quatro ‘lapadas’ e quatro gritinhos de Bráulio. Blecaute.
Com o palco ainda escuro entra a música Je t'aime moi non plus :
http://youtu.be/gO964LfGpyQ . Palco vai se iluminando lentamente ,
Bráulio e Gina agora estão sob os lençóis
fazendo sexo.
GINA
Aí senhor Bráulio...
BRÁULIO
Aí dona Gina...
GINA
Aí senhor Bráulio...
BRÁULIO
Aí dona Gina... O que o Alaor e a Miriam vão dizer
quando souberem disso?
GINA
Eles que se danem! Não para! Não para! Não para! Ai
tá tão bom...
BRÁULIO
Aí dona Gina...
GINA
Aí seu Bráulio... Meu Bráulio...
BRÁULIO
Aí...Gina...Minha Gina...
GINA
Não para! Não para!Não para! Aí como é bom...
Blecaute. Passagem de tempo. Noite , Alaor e Miriam no
quarto. Vestem roupas de dormir.
ALAOR
Uma semana já Miriam . Uma semana e nada.
MIRIAM
Pois é.
ALAOR
Nem sinal do Bráulio e da Gina. Será que fizemos mau em pressionar eles?
MIRIAM
Eu achava que não... Não sei o que pensar. Ando tão
agoniada que chega a me dar uma coisa...
ALAOR (Aflito)
Eu também... Deve ser o nervoso, sei lá... Você
também esta se sentindo estranha?
MIRIAM
To! Desculpa falar assim, ainda mais nessa
situação... mas to num tesão que você não tem ideia.
ALAOR
Feito...feito manteiga?
MIRIAM
Isso. Derretendo e doida pra me passarem no pão...
ALAOR (Leva a mão ao baixo ventre, escondendo a
genitália)
Nem sei o que dizer... Eu fui na clínica falar com a doutora. E do nada aconteceu uma coisa esquisita.
MIRIAM
O que?
ALAOR
Não quero criar expectativas... Mas a doutora tomou
um susto.
Alaor
puxa o short pra Miriam olha o conteúdo.
MIRIAM (Espantada)
Minha nossa! Tá quenem o frasco de condicionador!
Você tomou um daqueles remédios?
ALAOR
Não. Começou do nada. A doutora me deu uma bronca.
Achou que era com ela.
MIRIAM
A doutora se enganou. (Joga Alaor na cama) O negócio
é comigo!
ALAOR
Que isso , Miriam?
MIRIAM
É tesão ! Se no meio do deserto você cruza com uma
garrafa de água gelada ...você não faz pergunta. Você bebe!
Ela
pula sobre ele na cama. Eles se beijam e se enroscam. Luz diminui.
ALAOR
Mas...mas e o Bráulio e a Gina?
MIRIAM (se desvencilhando das roupas)
Tá preocupado com eles?
ALAOR
Quer saber...eles que se danem!
Alaor
começa a se despir , os dois se enroscam mais ainda. Luz fica bruxuleante,
entra a música Je t'aime moi
non plus , os dois fazem sexo sob os lençóis.
MIRIAM
Aí Alaor...
ALAOR
Aí Miriam...
MIRIAM
Já tinha me esquecido como é bom...
ALAOR
Mas tá melhor...muito melhor Miriam...
MIRIAM
Aí não para! Não para! Não para! Aí Alaooorrr....
REGISTRO: 665.189
Textos estão protegidos pelas Leis brasileiras de Direito Autoral. É obrigatório que se solicite permissão para ser montado. Não fazê-lo será passível de ações legais. Para solicitação, falar com o autor DURVAL CUNHA pelo e-mail: altamirando66@hotmail.com.
AUTOR
Durval Cunha
FACEBOOK: https://www.facebook.com/durval.cunha.98
E-MAIL : altamirando66@hotmail.com .
CEL:
VIVO : 11 - 99746-2374
E-MAIL : altamirando66@hotmail.com .
CEL:
VIVO : 11 - 99746-2374