SÓ É CORNO QUEM QUER (versão reduzida)







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Durval Cunha
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SÓ É CORNO QUEM QUER







W.C.Cardoso
Teresa
Pacheco
Adriana


              Escritório de Cardoso.  Ele entra em cena com uma enorme foto emoldurada de seu livro.  Foto dele na capa.  Ar jocoso, visível vaidade.  Pendura na parede.  Capa tradicional de livro de auto-ajuda.  Em letras generosas o nome do autor: ‘W.C.Cardoso’.   E o título; ‘Só é corno quem quer’.   Cardoso ajeita o quadro para esquerda, depois para direita, a fim de encontrar o ponto ideal.  Repete a operação.  As alterações são mínimas, quase imperceptíveis.
CARDOSO (Encontrando o ponto ideal)
Perfeito! Vou te mostrar senhor Paulo Coelho, como é que se vende livro.
              Entra Pacheco.  Cardoso toma um susto.
PACHECO
Preciso falar com você Wildemar!  Caso de vida  ou morte.
CARDOSO
Wildemar é a mãe!  Já falei pra não me chamar assim?
PACHECO
Lá vem de novo...
CARDOSO
De novo o quê? Compraria um livro de um Wildemar Cachoerinha Cardoso? Agora é W.C.Cardoso.  Pros íntimos, Cardoso.  Faz favor.
PACHECO
Pombas não pensa em outra coisa?
CARDOSO
O momento é delicado, Pacheco.  To me firmando no mercado editorial. Outra hora a gente discute isso.  Tenho uma entrevista.  To em cima da hora.
PACHECO (Magoado)
Não sei se reparou... mas não vim tratar do seu novo nome.
CARDOSO
Não?! (Lembrando) Claro! Você tem um problema.
PACHECO (Aflito)
Caso de vida ou morte.  Só você pode me ajudar.
CARDOSO
Faz assim...  Quarta a gente conversa.  Melhor! Sexta depois das quatro.  Nesse horário to livre.
PACHECO (Dramático)
Até lá já vou estar morto e enterrado.  Sexta é dia de macumba, a gente se fala num centro espírita.
CARDOSO
Pombas Pacheco, ta na hora...  Faz assim, resume.  Em poucas palavras.
PACHECO
To saindo com uma mulher casada.
CARDOSO (Ar indiferente)
Sei...  É esse teu caso de vida ou morte?  E daí? Ta querendo o que de mim? Carro emprestado, dinheiro pro motel?  Ah já sei!
              Puxa a carteira, tira de lá um pacotinho e entrega a ele.
PACHECO
Que isso?
CARDOSO
Um preservativo.
PACHECO
Não... Preciso que me aconselhe você é um especialista.  (Aponta para a foto)
CARDOSO
Já sei!  Ela é casada com um amigo e ta morrendo de remorso.
PACHECO
Na mosca! Ta vendo?!
CARDOSO (Conferindo as horas)
Eu advogo o seguinte: se ninguém ficar sabendo não aconteceu.  Nesses casos, não havendo testemunhas não há crime.
PACHECO (Aflito)
Será?  O cara é meu amigo...
CARDOSO
Amigo é pra essas coisas. (Ri) Tem risco dele saber?
PACHECO (Em dúvida)
Acho que não...
CARDOSO
Como acho? Ou tem ou não tem.
PACHECO
Não, não tem.
CARDOSO
Vai se encontrar com ela hoje?
PACHECO
Vou.  Assim que sair daqui.
CARDOSO
É a primeira vez?
PACHECO
Que nada.  A gente se encontra há um ano.
CARDOSO (Surpreso)
Um ano! Vá pastar.  Ta me gozando? A consciência levou esse tempo pra doer? É mesmo um caso de vida ou morte e vai morrer de velhice.
PACHECO
Po cara eu to sofrendo.             
CARDOSO
Eu também.  Agora suma daqui. Ta na hora da entrevista. Acho que a mulher já ta aí. (Lembrando) E o marido?
PACHECO
Ta trabalhando.
CARDOSO
E quem é? Eu conheço?
PACHECO
Vai morrer na curiosidade.
CARDOSO
Deixa disso, não conto pra ninguém.
PACHECO
Esse segredo vai pro túmulo.  Já basta o remorso.
CARDOSO
É a mulher do Lima.  Claro! Os olhares aquele dia na praia...  Só pode ser.
PACHECO
Não sei de nada.  Você que ta dizendo.
CARDOSO
É ela sim.  É o Lima.  É a mulher do Lima.  Cê ta comendo a mulher do Lima?
PACHECO
Não sei de nada. Eu não disse nada.
CARDOSO (Conferindo as horas)
Só não esquece o que falei:  se ninguém ficar sabendo não aconteceu.
PACHECO
Acha que devo continuar?
CARDOSO
Claro. Logo-logo você enjoa. Te dei o preservativo?
PACHECO (Procura. Acha)
Ta aqui.
              Entra a repórter Adriana.  Pacheco esconde o preservativo no bolso.
ADRIANA
Boa tarde. Sou Adriana. Vim entrevistá-lo. Me mandaram entrar, atrapalho?
CARDOSO
Claro que não, o Pacheco ta de saída. Não é Pacheco?
PACHECO
Claro.  Outra hora a gente conversa.  Com licença.
        Cardoso dá um tchauzinho malicioso para ele.   Pacheco sai.
ADRIANA
Espero não estar atrapalhando.
CARDOSO
De jeito nenhum.  Como diz meu editor, o importante é a divulgação do livro.  Por ele vendia só a capa recheada de páginas em branco.
ADRIANA
Podemos começar?
CARDOSO
Perfeitamente.
ADRIANA (Tirando um gravador da bolsa)
Um, dois, três , testando.  Um, dois, três, testando.  Entrevista com o escritor W.C.Cardoso, autor do livro “Só é corno quem quer”, que essa semana passou a figurar entre os dez mais vendidos.  Senhor Cardoso  a ideia de dar um nome tão direto foi sua ou do editor?
CARDOSO
Foi minha. Preferi uma abordagem mais crua.
ADRIANA
Esse livro se destina a traídos ou traidores?
CARDOSO
A todos. Os que nunca foram traídos, essas poucas e bem aventuradas almas, farão dele uma espécie de vacina.
ADRIANA
Por que ‘poucas e bem aventuradas almas’? Não ser traído é tão difícil assim?
CARDOSO
Demais! Nunca se traiu tanto quanto agora. Houve época em que era um delito impensável, de graves conseqüências.  Muita mulher inocente morreu devido à paranóia do marido.  E algumas culpadas também...
ADRIANA.
Segundo suas teorias é o traído que induz o companheiro a traição?
CARDOSO
Exatamente.  O senso comum procura a culpa no que traiu, quando ela está no que foi traído.
ADRIANA
E essa tendência interior pode como o senhor afirma ter uma origem genética?
CARDOSO
Pode. Mas aí é um estudo mais aprofundado. 
ADRIANA
Seu estudo tem um caráter acadêmico ou o senhor também já foi traído?
CARDOSO (Riso Cínico)
Não, nunca. É estranho, mas sempre me perguntam isso. É tão esdrúxulo quanto perguntar a um veterinário se ele é um animal.
ADRIANA
As pessoas imaginam uma experiência pessoal. E sua esposa, como encara o seu trabalho?
CARDOSO
Teresa é minha maior fã.  Sempre esteve ao meu lado. Ela é incansável.
ADRIANA
Preciso de um depoimento dela. É possível?
CARDOSO
Com todo o prazer. Vamos até minha casa!
ADRIANA
Como quiser.
CARDOSO
Assim aproveito e mostro a minha biblioteca. Verá que minhas teorias não saíram do nada.  Venha, no caminho conversamos.


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          Casa de Cardoso, quarto.  Ele entra chamando pela mulher, que está na cama com o amante.  Os dois estão de baixo dos lençóis.
CARDOSO
Teresa! Temos visita.  Uma repórter... (Chocado) Mas o que é isto?
         O amante se esconde sob os lençóis. Teresa põe temerosamente a cabeça para fora. O amante permanece escondido.
CARDOSO
Isso aí... aí do teu lado...é um...um homem?
TERESA
Não vou mentir pra você... é um homem sim. Mas eu posso explicar!
CARDOSO
Eu também. Levanta daí canalha!
TERESA (Levantando da cama apenas de camisola. O Amante permanece escondido sob os lençóis)
Calma Cardoso! Não faça uma loucura! Hoje em dia isso é comum.
CARDOSO
Eu sei! Eu escrevi um livro a respeito, lembra?
TERESA
Pois é. Vamos resolver civilizadamente. Teu livro ensina como lidar com isso hoje em dia...
CARDOSO (Indo até a gaveta)
Também fala como era antigamente... (Tira um revólver da gaveta)
TERESA
Meu Deus Cardoso!
CARDOSO ( Para o homem na cama, que se limita a tremer sob os lençóis)
Levanta canalha! Seja homem! Tenha a dignidade de morrer em pé!
TERESA (Tomando-lhe a frente)
Pensa no teu livro. Pensa na tua carreira. Lembra daquela cartomante? Ela disse que ia vender mais livro que o Paulo Coelho?
CARDOSO
Disse também que iríamos envelhecer juntos. Ela deve se melhor jogando 21.
TERESA
As vendas do teu livro irão à zero. Vai se tornar motivo de riso. Imaginou? O Homem que ensinava não ser traído sendo corneado?
CARDOSO (Exasperado)
Que tipo de corno aceita uma situação dessas por causa de um livro? Que tipo de corno aceita isso por posição social, status, dinheiro?  (Para, fica pensativo. Por fim guarda o revólver de volta na gaveta. Desolado) Puta que pariu...
TERESA
Ta vendo? Ninguém precisa saber de nada. Vamos resolver entre nós. Sem alarde... Você tem muito a perder.
CARDOSO
Ta bem! Mas mande esse miserável sair daí. Não agüento esse verme na minha cama.
TERESA
Sai. Pode sair.
CARDOSO
Ta com medo de mostrar a cara, canalha? Pode sair. Não vou te dar um tiro nos cornos. Mesmo por que... os cornos ficaram comigo. (Olha furioso para Teresa)
              O homem descobre a cabeça lentamente com certo suspense.  Ao final se vê.  É Pacheco quem está na cama.
CARDOSO (Horrorizado)
Pa-pa-pacheco!
              Leva as mãos ao peito como quem está tendo um enfarte e desmaia.
TERESA (Indo ampará-lo)
Aí meu Deus! Acuda Pacheco ele ta tendo um troço!
              Pacheco corre para ajudá-lo.
PACHECO (Massageando o peito dele)
Wildemar! Fala comigo, Wildemar!
CARDOSO (Agarrando-o pelo pescoço)
Wildemar o cacete, seu filho da mãe!
TERESA (Separando-os)
Parem já com isso!
CARDOSO
Traidor! Judas!
PACHECO
Traidor por quê? Segui os conselhos que me deu!
CARDOSO
Mas não era pra ser com a minha mulher imbecil!
PACHECO
Achei que você não ia saber nunca. Lembra: ‘Se ninguém ficar sabendo, não aconteceu’.
CARDOSO
Que imoralidade. Que indecência. Só mesmo um perdido, um devasso pra agir dessa maneira!
TERESA (Dramática)
Foi um momento de fraqueza, Cardoso. Uma insensatez. Eu nunca tinha traído você antes, foi a primeira vez...
CARDOSO
Mentira! Vocês já se encontram há um ano!
TERESA (Indignada)
Quem disse?
CARDOSO
Ele!
TERESA (Confusa)
Você disse isso?
PACHECO
Disse.
TERESA (Sem graça)
Mas ele foi o primeiro. Eu juro! Nunca houve outro homem.
CARDOSO
Onde passa um boi, passa uma boiada!
TERESA (Para Pacheco)
Mas espera um pouco... você disse isso pra ele quando? Como?
PACHECO
No escritório, antes de vir pra cá.
CARDOSO
E tem mais uma coisa. Devolve a minha camisinha!
TERESA (Perplexa)
Camisinha?! Por que de repente passei a não entender nada? O que ta acontecendo aqui?
CARDOSO
Anda! E se não for por bem eu tomo a força, Judas!
PACHECO
É pra já! (Vai até o cesto de lixo e pega a camisinha) Toma!
              Segura-a pela ponta dos dedos e entrega a Cardoso. Ela está desenrolada. Usada.
CARDOSO (Com a camisinha sendo segura pela ponta dos dedos. Ar de nojo e indignação )
Na minha própria casa, no meu quarto, na minha cama, com a minha mulher e usando a minha camisinha... de seu,só o pinto.
TERESA
Que horror! Não precisa baixar o nível. Não vamos perder a classe, por favor.
CARDOSO (Exibindo a camisinha)
E dá pra descer abaixo disso? Hein? A situação tornou-se escatológica! Infame! Vil!
              Fecha o punho com a camisinha na palma da mão.
CARDOSO ( Ao ver o que fez)
Um...um...um lenço pelo amor de Deus!!
              Teresa corre para o armário e procura um lenço.
CARDOSO (Para Pacheco)
Seu miserável!
PACHECO
Eu não mandei você por a mão nisso.
CARDOSO
E eu não mandei você comer a minha mulher!
PACHECO
Mandou sim! Não vem tirar o corpo fora.
TERESA (Trazendo o lenço)
Temos que decidir o que fazer. Civilizadamente.
PACHECO
O divórcio é a única solução.  Aí a gente fica junto.
CARDOSO
Uma ova! A condição de homem bem casado é fundamental pra minha carreira. Como ia explicar a separação e vocês dois juntos? Façamos assim... Você desiste desse Judas e a gente salva as aparências.
PACHECO
De jeito nenhum!  A humanidade não gira em torno dos seus interesses.
CARDOSO
Vocês preferem me arruinar completamente?
TERESA
Posso falar?
CARDOSO
Por favor.
TERESA
Eu não quero me separar do Pacheco e disso não abro mão. (Pacheco sorri) Por outro lado não posso desmanchar meu casamento. O Cardoso tem razão, seria nossa ruína, ele ta ganhando rios de dinheiro com o livro.  Proponho um meio termo.
CARDOSO/PACHECO
Qual?
TERESA (Pudica)
Manter tudo como está.
PACHECO (Horrorizado)
O que?
TERESA
Eu não posso arruinar a carreira do Cardoso, não seria justo.  Afinal... ele é meu marido.
PACHECO (Indignado)
Nem o Wildemar, atual Cardoso, desceria a esse ponto, toparia um troço desses.  E eu muito menos.
CARDOSO (Ar derrotado)
Eu topo. Corno bravo... corno manso... é tudo corno mesmo.
PACHECO (Surpreso, para Cardoso)
Como é que é?  O que você tem na cabeça?
CARDOSO
Chifre.
TERESA
É o único jeito. Ou me separar de um de vocês.
PACHECO
Nada vai me separar de você. Nada!
CARDOSO
Por mim eu te vendia pro tráfico de órgãos. Só que meu livro vem em primeiro lugar.
PACHECO
Eu aceito numa hipótese.
CARDOSO/TERESA
Qual?
PACHECO
Que não haja contato físico entre vocês. (Para Cardoso, cerimonioso) Teresa contou que não há sexo a mais de um ano. Não to pedindo um absurdo.
CARDOSO (Cínico)
Não fazemos sexo há um ano? (Para Teresa) Mas não era você há dois dias, aqui mesmo nessa cama?
PACHECO
O que? (Olhando furioso para Teresa) Você tinha jurado!
CARDOSO
Não seja ingênuo, Pacheco. Nem o juramento que ela me fez na igreja, diante do padre ela respeitou.
PACHECO (Pra ela, dramático)
Estou me sentindo traído...
CARDOSO
Pera aí... essa frase não devia ser minha?
PACHECO
Pois se havia sexo não haverá mais.
CARDOSO (Sarcástico para afetar Pacheco)
Nem suas variações? (Para Teresa) Aquele lance lá nem é sexo pra Igreja, sabia? Mas é um pecado gravíssimo. Ou abominação, algo assim... Estranho né?!
TERESA
Cardoso, por favor?
PACHECO
Que estória é essa Teresa?
TERESA (Embaraçada)
Eu-eu não sei de nada. É loucura da cabeça dele.
CARDOSO
E foi tão bom quanto no filme. (Ri)
PACHECO
Que filme? Teresa eu quero saber, em detalhes, do que ele ta falando.
TERESA
Sei lá! Não entra no jogo dele, ta querendo te irritar.
PACHECO
De que filme ele ta falando? (Para um instante pra pensar) Já sei! É o ‘ Império dos sentidos’!
CARDOSO
Não vi nada de mais nesse filme. (Cínico) A não ser aquela cena do ovo.
PACHECO (Chocado)
Minha nossa...
TERESA (Aflita)
Não é nada disso! Eu nem assisti esse filme.
PACHECO
Se não assistiu como sabe da cena do ovo? Com certeza a Igreja acha  uma abominação.
CARDOSO
Não diga isso Pacheco. Alguma galinha pode ouvir e se ofender.
TERESA (Para Cardoso)
Como é que diz uma barbaridade dessas?
CARDOSO
Mas eu não disse nada. Quem citou o filme foi ele. Também é um filme antigo. Mas não esse. Você ta quente. Quer tentar mais uma?
TERESA
Chega! Basta! Parou com essa conversa!
PACHECO
Pois seja o que for não vai acontecer mais.
CARDOSO
Alto lá! O marido aqui sou eu. Eu que levei essa daí pra igreja.  Enfrentei o ridículo de ficar meia hora em pé diante do altar, me sentindo um completo idiota. E essa daí me aparece toda de branco... e mente pro padre! Se alguém tem direito adquirido, esse alguém sou eu.
TERESA
Posso falar?
CARDOSO
Por favor.
TERESA (Séria)
Como os dois sabem, tenho formação religiosa e estudei em colégio de freiras, o que me impede de ser protagonista de alguma baixaria.  Sendo assim e para evitar brigas, proponho a confecção de uma tabela semanal com o dia de cada um. Civilizadamente... Sem perder a classe.
CARDOSO (Cínico)
Sem dúvida. Mas vai ser de graça ou você pretende cobrar alguma coisa? Marido tem desconto?
PACHECO
Que imoralidade... Estou me sentindo um canalha.
CARDOSO (Idem)
Que bom que gostou.
TERESA
É o único jeito. Escolham os dias. Menos na segunda. Tenho analista.  Vou precisar dele mais do que nunca.
CARDOSO
Tirando a segunda sobram três dias pra cada. Vou ficar com a sexta, sábado e domingo.
PACHECO
Mas são os melhores dias.
CARDOSO
Claro! Eu sou o marido.
PACHECO
Você é um egoísta, Wildemar! E pensar que jogamos bolinha de gude juntos.
CARDOSO
Duas coisas. A primeira: Wildemar é a senhora sua mãe. A segunda: as bolinhas eram minhas, de um pote que eu te emprestei e até hoje você não me devolveu!
PACHECO
O que? Eu devolvi sim senhor!
CARDOSO
Menos da metade! Tinha um monte de café-com-leite. Cadê? Não sobrou uma!
PACHECO
E você que sumiu com o meu pião? Hein?! Aquele batatinha!
CARDOSO
Caiu no bueiro. Tive culpa? Caiu no bueiro.
PACHECO (Para Teresa)
Ele jogou de propósito!
CARDOSO
Mentira! Foi sem querer.
PACHECO
Sem querer coisa nenhuma.
CARDOSO
E os meus pipas? Deles você não fala.
PACHECO
Taiaram. Tive culpa? Taiaram.
CARDOSO (Para Teresa)
Eu falando pra ele: descarrega, descarrega! E ele lá com a linha esticada. Aí o cara vinha por baixo, dava um taio e pronto.
PACHECO
Eu deixava ele entrar por baixo pra pegar pela rabiola. (Para Teresa) Tinha um chicote na ponta de dois metros. Caprichado no cortante.
CARDOSO (Rindo)
Cortante? Chama aquilo de cortante? Todo empelotado, parecia bolinho de arroz pendurado no varal.
PACHECO
Conversa! Eu usava vidro de lâmpada moído.
CARDOSO
Depois que eu ensinei. Depois que eu ensinei. Senão tava moendo garrafa de champanha até hoje. Aquelas que  pegava nas macumbas atrás do cemitério.
PACHECO
E você não usava as velas pra fazer tocha de balão?
TERESA
Cheeegaaa! Senão viram a noite nessa conversa. Meu Deus como homem é bicho cansativo...
CARDOSO
É porque você tem muitos minha filha. Tivesse um só não cansava. E os finais de semana são meus!
PACHECO
Por você ela podia ser vendida ao tráfico de órgãos.  Finais de semana pra que?
CARDOSO
Pro sexo. Com a raiva que estou dela o sexo vai ser ótimo. (Para Teresa) Inclusive to repensando o lance do chicote. O clima atual tem tudo a ver.
PACHECO
Alto lá! Se você vai bater na Teresa com chicote eu quero bater também.
CARDOSO
Pode bater. Na terça, quarta e quinta.
TERESA
Chega! Não vai ter chicote porcaria nenhuma. Esqueceram o lance do colégio de freiras? E se eu tiver uma dor de cabeça?
CARDOSO
Toma uma aspirina!
PACHECO (Pensativo)
‘ O Ultimo Tango em Paris ‘.
CARDOSO
O que?
PACHECO
‘ O Ultimo Tango em Paris ‘.
CARDOSO
Ultimo tango o que pombas?
PACHECO
O filme! Era esse o filme. (Olha para Teresa que leva às mãos a boca amedrontada) O que tem a cena da manteiga...
CARDOSO (Para Teresa. Cínico)
Mas nós usamos margarina, não foi Teresa? Doriana. Me lembro bem. E sem sal.
PACHECO (Para Teresa, chocado)
Como é que você pôde?
TERESA (Embaraçada)
Ora Pacheco...sabe como é... Hollywood exerce um fascínio na gente...
CARDOSO (Impaciente)
Chega de drama Pacheco.  Não temos o dia inteiro.
TERESA (Lembrando)
Aliás... nunca vem em casa a essa hora... Por que é que hoje você veio?
CARDOSO (Lembrando. Cara assustada)
Aí meu Deus... a repórter...             
ADRIANA (Entrando em cena com o celular em punho)
Uau!! O meu primeiro furo! Meu Deus que estória!
TERESA (Assustada)
Quem é essa mulher?
CARDOSO (Aflito)
Repórter de um jornal.
TERESA
Será que ela ouviu alguma coisa?
ADRIANA
Tudinho! Vai ser minha estréia na primeira página.
PACHECO
Tamo ferrado Wildemar...
TERESA
Uma ova! Pega o celular!
              Cardoso toma o celular dela.
CARDOSO
Vou por fogo nessa merda!
ADRIANA
Fique a vontade.  Já mandei pela web. Ta no servidor. Pode quebrar assim a gente termina a conversa na delegacia...
TERESA
Vamos encurtar o assunto. Quanto quer pra ficar de bico fechado?
ADRIANA
O que eu quero eu já consegui. Uma matéria impactante! Não vou arriscar minha carreira fazendo acordo com vocês. Não se acertam nem entre si.
TERESA (Enérgica)
É sua última palavra?
ADRIANA
É!
TERESA (Aflita)
Estamos perdidos Cardoso...
CARDOSO (Indo até a gaveta lentamente. Fala para si mesmo)
Aconteceu assim, senhor Delegado... Levei a repórter até minha casa pra conhecer Teresa. Convidei também o Pacheco. (Os três se entreolham sem entender nada) Foi então que se deu a tragédia. Um grupo de encapuzados invadiu a casa. (Tira a arma da gaveta) Todos armados! (Aponta a arma para os três)
TERESA
Cardoso pelo amor de Deus!   Não vamos chegar a extremos!
CARDOSO
Foi horrível senhor delegado. (Vai apontando a arma e os três vão se desviando) Sem emitir uma palavra ou mesmo uma explicação para esse tresloucado ato, um deles disparou contra nós quatro.
TERESA / PACHECO / ADRIANA
NÃO!!
CARDOSO
Tombaram um a um... Eu caí entre eles fingindo ter sido atingido. Foi uma tragédia, uma carnificina...
ADRIANA
Pelo amor de Deus, abaixe essa arma! (Para Teresa e Pacheco) Façam alguma coisa!
PACHECO
Se puxar o gatilho vai perder um amigo!
TERESA
Não vai enganar a polícia com essa estória.
CARDOSO
O trauma foi terrível delegado... Pra superar estou escrevendo um novo livro, intitulado: ‘ Anatomia da violência Urbana’.
ADRIANA
Já sei! Tive uma idéia! Uma idéia genial! Alguém já viu o vídeo na redação, mas dá pra explicar... Foi coisa ensaiada. É parte do seu novo livro.
TERESA / PACHECO / CARDOSO (Baixando a arma)
Que livro?
              Blecaute. Passagem de tempo. Voz de Adriana ao gravador.
ADRIANA
Um, dois, três, testando. Um, dois, três, testando.
              Luz sobre eles. Cardoso, Teresa e Pacheco estão sentados na cama. Expressão de felicidade no rosto. Os três vestem roupões da mesma cor deixando clara a atual afinidade entre eles.
ADRIANA (Ao gravador)
Entrevista com o escritor W.C.Cardoso, cujo novo livro atingiu o primeiro lugar em vendas.  Desbancando o mundialmente famoso  Paulo Coelho.  Senhor Cardoso, a que atribui o estrondoso sucesso do seu novo livro, intitulado: ‘ Uma Cama para Três ‘?
CARDOSO
É um livro verdade. Um livro que entra a fundo na complexidade do relacionamento humano. Um livro que aponta o desdobramento da família nuclear rumo ao que eu defino como família triangular.
ADRIANA
Mas seu novo trabalho não entra em contradição com anterior ? Afinal o primeiro livro dizia: ‘ Só é corno quem quer’ e sendo o senhor o marido, a presença do seu amigo entre vocês não configura uma traição?
              Cardoso dá uma risada absolutamente artificial, sendo imitado pelos outros dois.
CARDOSO
Desculpe. Não consigo ouvir isso sem rir. Não há relação entre uma coisa e outra. Quem diz isso não leu nenhum dos dois livros. Se leu não entendeu.
ADRIANA
Causou furor a declaração de que tomam banho juntos.
CARDOSO
E qual o problema? O banho coletivo ta longe de ser uma novidade. No Japão vem de tempos imemoriais.
ADRIANA (Cínica)
Mas e quando cai o sabonete? Quem é que pega?
              Cardoso fica sem saber o que responder. Olha para Pacheco, que exibe a mesma dúvida. Até que Teresa, insegura, fala.
TERESA
Eu! (Para os outros dois, constrangida) Não é?
CARDOSO (Levantando exasperado)
Chega! Chega! (Adriana desliga o gravador) Coisa ridícula!
TERESA
Que foi?
CARDOSO
Já imaginou a cena? Você agachada, completamente nua, com dois marmanjos também nus te olhando?!  É grotesco! Po Adriana, que diacho de pergunta é essa?
ADRIANA
Não posso fazer nada, ta na pauta.
CARDOSO
Não pode pular?
ADRIANA
Claro que não. Ainda mais essa pergunta. Todo mundo quer detalhes. Foram falar agora alguém tem que pegar esse sabonete.
CARDOSO
Sendo assim o Pacheco vai nos fazer esse favor.
PACHECO
Eu?!
CARDOSO
Claro! Foi você quem inventou essa barbaridade. Que abriu o bico pra um jornalista de fofoca. 
PACHECO
Ele tava me pressionando. Achei que ia ser uma coisa impactante.
CARDOSO
Ah isso foi! Ninguém da família falou mais comigo. O último que veio aqui foi um primo em terceiro grau pra pedir dinheiro emprestado.
TERESA
É o preço da fama meu querido. Graças a isso que comprou aquele carro japonês.
ADRIANA
Mas vocês não tomam banho juntos?
CARDOSO
Claro que não!
ADRIANA
Mas e o sexo, pelo que sei rola?
TERESA
Sim. Mas organizadamente. Cada um no seu dia.
PACHECO
Só que de algum jeito, meus dias sempre coincidem com a menstruação da Teresa.
TERESA
Que horror! Isto é coisa que se diga?
CARDOSO
Problema seu meu caro. Não tenho culpa se as mulheres tem esse defeito de fabricação.
TERESA
Defeito tem a senhora sua mãe!
CARDOSO
Claro. Ela não é mulher também?
ADRIANA (Com a máquina fotográfica em punho)
Atenção, atenção. Pose pra a foto.
              Os três abandonam instantaneamente a postura beligerante anterior e posam sorridentes para fotografia. Adriana tira três fotos em poses diferentes.
ADRIANA
Pronto.
              Os três voltam instantaneamente à postura belicista anterior.
PACHECO
Sou discriminado nessa casa. Toda ideia minha é sempre ruim. O lance do banho seria ideia de gênio dita pelo Wil... pelo ‘Cardoso’.
CARDOSO
E ainda é um ingrato. Além de mulher sem menstruação você quer o que? Melancia sem caroço, uva sem semente e manga sem fiapo?
TERESA
Parô! Tenham compostura, por favor.
ADRIANA
Gente vamos continuar a entrevista.
PACHECO
Não vou pegar sabonete nenhum!
CARDOSO
Vai sim senhor!
ADRIANA (Para Cardoso)
Vamos fazer o seguinte,quando eu perguntar você responde que isso nunca aconteceu, mas se acontecer vão improvisar uma saída elegante. Dito isto os três riem. Ta certo?
CARDOSO
Certo, certo.
ADRIANA
Então vamos lá. (Liga o gravador) Mas e quando cai o sabonete? Quem pega?
CARDOSO
Bem, isso nunca aconteceu. Mas se acontecer vamos arranjar uma solução elegante.
              Os três começam a rir forçosamente. Quando vê que estão se alongando, Adriana faz sinal para parar.
ADRIANA
E o senhor, seu Pacheco, a quanto tempo conhece o senhor Cardoso?
PACHECO
Eu conheço o Wil.., o Cardoso desde a infância. Acredite, jogamos bolinha de gude juntos.
CARDOSO
Pois é... veja a senhorita como são as coisas. As bolinhas eram minhas e até hoje o Pacheco não devolveu. Mas dei um ultimato. Vou esperar só mais dez anos.
PACHECO
Vamos fazer assim... eu troco pelo pião batatinha que você jogou no bueiro.
CARDOSO
Mas que droga! Quantas vezes vou ter que repetir? Foi sem querer! Ele pegou efeito, fez a curva e caiu no bueiro. Era um piãozinho velho, todo rachado.
PACHECO
Mentira! Tava inteirinho, tinha até envernizado.
CARDOSO
Pois eu compro outro pra você, pra nunca mais ouvir essa estória!
PACHECO
E eu compro um fardo inteiro de bolinhas! Assim não me enche mais o saco com isso!
CARDOSO
Se não tiver café-com-leite nem precisa! Nem precisa!
PACHECO
E o peão vou querer de primeira! Nem peroba to aceitando!
CARDOSO
Mando fazer de jacarandá da Bahia! Derrubo uma sequóia só pra fazer o piãozinho!
        Os dois saem de cena irritados enquanto as duas observam sem ação. Blecaute. Tempo. Luz sobre a cama. Sob a coberta duas pessoas fazendo amor. Cardoso entra.
CARDOSO
Eu sabia! Eu sabia! Furando fila, né Pacheco?
TERESA (Pondo a cabeça para fora da coberta. Seu acompanhante permanece coberto)
Cardoso?! O que ta fazendo em casa a essa hora?
CARDOSO
Vendo o que faz na minha ausência. Pelo visto não tem uma segunda atividade. A noite com certeza ia ter dor de cabeça.
TERESA (Embaraçada)
Tenha modos, Cardoso. Tenha modos. Eu e o Pacheco estamos quase terminando. Faz assim, volta pro escritório, a noite conversamos.
CARDOSO
Uma ova! Ele que espere a sua vez! Virou bagunça? Cai fora Pacheco!
TERESA
Não seja egoísta Cardoso
CARDOSO
Egoísta, eu?! Conhece mais alguém que divide a mulher com os amigos?
TERESA
Meu Deus como você é implicante...
CARDOSO
Não quero nem saber. Muito galo e pouca galinha dá nisso! Vira bagunça. Anda Pacheco! Não ouviu?
PACHECO ( Entrando em cena )
Que-que-foi?
              Cardoso olha pra ele perplexo.
Vo... você ta aí?
PACHECO
Acabei de chegar. Por quê?
CARDOSO
Mas se você ta aí, quem ta lá? (Aponta)
PACHECO (Surpreso)
Mas... mas não é o seu dia? Devia ser você...
              A pessoa descobre lentamente a cabeça. É Adriana.
ADRIANA
Senhor Cardoso.... creio que pode estar nascendo aqui mais um Best Seller...
              Puxa Teresa para baixo do lençol.

                  FIM







Textos estão protegidos pelas Leis brasileiras de Direito Autoral. É obrigatório que se solicite permissão para ser montado. Não fazê-lo será passível de ações legais. Para solicitação, falar com o autor DURVAL CUNHA  pelo e-mail: altamirando66@hotmail.com







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Durval Cunha
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