REGISTRO: 4954 - C
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SÓ É CORNO
QUEM QUER
Personagens:
W.C.Cardoso
Teresa
Pacheco
Adriana
Escritório de Cardoso. Ele entra em cena com uma enorme foto
emoldurada de seu livro. Foto dele na
capa. Ar jocoso, visível vaidade. Pendura na parede. Capa tradicional de livro de auto-ajuda. Em
letras generosas o nome do autor: ‘W.C.Cardoso’. E o título: ‘Só é corno quem
quer’. Cardoso ajeita o quadro para esquerda, depois para direita, a fim de
encontrar o ponto ideal. Repete a
operação. As alterações são mínimas,
quase imperceptíveis.
CARDOSO
(Encontrando o ponto ideal)
Perfeito! Vou
te mostrar senhor Paulo Coelho, como é que se vende livro.
Entra Pacheco. Cardoso toma um susto.
PACHECO
Preciso falar
com você Wildemar! Caso de vida ou morte.
CARDOSO
Wildemar é a
mãe! Já falei pra não me chamar assim?
PACHECO
Lá vem de
novo...
CARDOSO
De novo o quê?
Compraria um livro de um Wildemar Cachoerinha Cardoso? Agora é
W.C.Cardoso. Pros íntimos, Cardoso. Faz favor.
PACHECO
Não pensa em
outra coisa?
CARDOSO
O momento é
delicado, Pacheco. To me firmando no
mercado editorial. Outra hora a gente discute isso. Tenho uma entrevista. To em cima da hora.
PACHECO
(Magoado)
Não sei se reparou...
mas não vim tratar do seu novo nome.
CARDOSO
Não?!
(Lembrando) Claro! Tem um problema.
PACHECO
(Aflito)
Caso de vida
ou morte! Só você pode me ajudar.
CARDOSO
Faz o
seguinte... Quarta a gente
conversa. Melhor! Sexta depois das
quatro. Nesse horário to livre.
PACHECO
(Dramático)
Até lá vou
estar morto e enterrado. A gente se fala num centro espírita.
CARDOSO
Pombas
Pacheco, já ta na hora... Faz assim,
resume. Em poucas palavras.
PACHECO
To saindo com
uma mulher casada.
CARDOSO (Ar
indiferente)
Sei... É esse teu caso de vida ou morte? E daí? Ta querendo o quê de mim? Carro
emprestado, dinheiro pro motel? Ah já
sei!
Puxa a carteira, tira de lá um
pacotinho e entrega a ele.
PACHECO
Que isso?
CARDOSO
Um
preservativo.
PACHECO
Não... Preciso
que me aconselhe, é um especialista.
(Aponta para a foto)
CARDOSO
Já sei! Ela é casada com um amigo seu e ta morrendo
de remorso.
PACHECO
Na mosca! Ta
vendo?!
CARDOSO
(Conferindo as horas)
Eu advogo o
seguinte: se ninguém ficar sabendo, não aconteceu. Nesses casos, não havendo testemunha não há
crime.
PACHECO
(Aflito)
Será? O cara é meu amigo...
CARDOSO
Amigo é pra
essas coisas. (Ri) Tem risco dele saber?
PACHECO (Em
dúvida)
Acho que não...
CARDOSO
Como acho? Ou
tem ou não tem.
PACHECO
Não, não tem.
CARDOSO
Vai se
encontrar com ela hoje?
PACHECO
Vou. Assim que sair daqui.
CARDOSO
É a primeira
vez?
PACHECO
Que nada. A gente se encontra faz um ano.
CARDOSO
(Surpreso)
Um ano! Vá
pastar Pacheco. Ta me gozando? A
consciência levou esse tempo pra doer? É mesmo um caso de vida ou morte e vai
morrer de velhice.
PACHECO
Pô cara eu to
sofrendo...
CARDOSO
Eu
também. Agora suma daqui. Ta na hora da
entrevista. (Lembrando) E o marido?
PACHECO
Ta
trabalhando.
CARDOSO
Eu conheço?
PACHECO
Vai morrer na
curiosidade.
CARDOSO
Eu não conto
pra ninguém.
PACHECO
Esse segredo vai
pro túmulo. Já basta o remorso.
CARDOSO
É a mulher do
Lima. Claro! Os olhares na praia... Só
pode ser.
PACHECO
Não sei de
nada. Você que ta dizendo.
CARDOSO
É ela
sim. É o Lima. É a mulher do Lima. Caramba... ta comendo a mulher do Lima?
PACHECO
Eu não disse
nada.
CARDOSO
(Conferindo as horas)
É só não
esquecer o que eu falei: se ninguém ficar sabendo não aconteceu.
PACHECO
Acha que devo
continuar?
CARDOSO
Claro!
Logo-logo enjoa. Ta com o preservativo?
PACHECO
(Procura. Acha)
Ta aqui.
Entra a repórter Adriana. Pacheco esconde o preservativo no bolso.
ADRIANA
Desculpe.
Mandaram entrar. Pensei que tivesse sozinho. Sou Adriana. Vim entrevistá-lo.
CARDOSO
O Pacheco ta
de saída. Não é Pacheco?
PACHECO
Claro. Depois a
gente conversa. Com licença.
Cardoso dá um tchauzinho malicioso para
ele. Pacheco sai.
ADRIANA
Podemos
começar? A revista pediu urgência e seu tempo é sempre curto.
CARDOSO
Perfeitamente.
ADRIANA
(Tirando um gravador da bolsa e uma máquina fotográfica)
Um, dois, três,
testando. Um, dois, três, testando. Entrevista com o escritor W.C.Cardoso, autor
do livro “Só é corno quem quer”, que essa semana figura entre os dez mais
vendidos. Senhor Cardoso, a ideia de dar
um nome tão direto ao livro foi sua ou do editor?
CARDOSO
Foi
minha. Demorou mas ele acabou aceitando.
ADRIANA
Esse livro se
destina a quem exatamente? Traídos, traidores...?
CARDOSO
A todos.
Principalmente aos que nunca foram traídos. Essas poucas e bem aventuradas
almas. Pra eles meu livro será uma espécie de vacina.
ADRIANA
Por que
‘poucas e bem aventuradas almas’? Não
ser traído é tão difícil assim?
CARDOSO
Demais! Nunca
se traiu tanto quanto agora.
ADRIANA
Segundo suas
teorias é o traído que induz o companheiro a traição?
CARDOSO
Exatamente. O senso comum procura a culpa no que traiu,
quando ela está no que foi traído. Quem
casa com alguém assim e não o trai, é um herói, praticamente um santo.
ADRIANA
Como diz na
propaganda: “Não leve chifre, leve o novo livro de W.C.Cardoso”. As feministas não gostaram muito.
CARDOSO
Equivocadas!
Nem leram o livro. O que elas gostam é de bater boca.
ADRIANA
Nem foi tanto
pelo livro, mas por ter dito que ele era secundário, primeiro elas teriam que encontrar
um marido.
CARDOSO
E não é
verdade?
ADRIANA
Toda mulher
sem homem é mal amada?
CARDOSO
Claro que não.
Normalmente elas são só feias.
ADRIANA
Esse foi outro
comentário que não pegou muito bem.
CARDOSO
Eu sou muito
patrulhado dona Adriana. Recebo críticas de todas as partes, é a sina de estar à
frente do meu tempo. Até a indústria me descrimina! Eu desenvolvi um dispositivo
terapêutico, junto com o Porfírio, que aumenta a libido feminina. O
Orgasmotron. E a indústria boicotou! Tive que adiar a montagem da planta
industrial. Funciona através de estímulos magnéticos nos pontos de acupuntura.
Uma maravilha da eletrônica que ninguém quer patrocinar.
ADRIANA
(Curiosa)
Dispositivo
pra libido? Eletrônico? Teria um pra me mostrar?
CARDOSO
Claro!
Guardo aqui no armário. (Vai até o
armário)
ADRIANA
Nossa!
Mas é a pilha?
CARDOSO
Bateria
ou ligar direto na tomada.
Tira o objeto do armário. O
dispositivo deve ser o mais primitivo e ameaçador possível. Formado por um corpo retangular com diversos
botões e controladores, um tubo saindo do corpo, se projetando pra cima e se
conectando numa garra metálica no formato de mão em funil. Ele coloca o
dispositivo sobre a mesa com algum esforço. Adriana acompanha tudo assustada.
ADRIANA
Acho
que não entendi direito... não era um dispositivo pra aumentar a libido?
CARDOSO
Exatamente!
Não é uma beleza? Facílimo de operar. Vou fazer uma demonstração pra senhorita...
Adriana, assustada, dá alguns passos para
trás e acompanha a operação de longe.
ADRIANA
Não
acha a aparência dele um tanto... digamos...rústica?
CARDOSO
Minimalista,
dona Adriana. O designer foi pensado meticulosamente. É notória a dificuldade das
mulheres em ler manual.
ADRIANA
Nós
não temos afinidade com ‘garras’, doutor Cardoso...
CARDOSO
Mas
isso não é uma garra. É o aplicador.
ADRIANA
(Horrorizada, se afasta ainda mais)
Aplicador?!
Aplicador?
CARDOSO
Vou
lhe fazer uma demonstração. É o sonho de
toda mulher...
ADRIANA
Costumo
ver coisa parecida nos pesadelos.
CARDOSO
E
é ecologicamente correto. Totalmente reciclado. Com peças de um compressor de
ar monofásico, uma solda oxiacetileno e um cortador de grama. Chega mais perto.
Por que ta longe assim?
ADRIANA
É...é
que tenho hipermetropia, enxergo melhor de longe.
CARDOSO
(Indo buscá-la)
Preciso
que teste o aparelho. Senta aqui. (Ela senta ao lado do aparelho. Olha pra ele
assustada)
ADRIANA
Quem
é esse doutor Porfírio que ajudou a criar o aparelho?
CARDOSO
(Fala enquanto ajusta o aparelho)
Doutor?!
Não. O Porfírio é eletricista.
ADRIANA
(Espantada)
Eletricista?!
CARDOSO
O
melhor da região. Excelente profissional.
ADRIANA
O
senhor mexer com coisas da medicina já é estranho, sendo administrador de
empresa, e ainda se associa com um eletricista?
CARDOSO
Pois está
duplamente enganada, dona Adriana! O Porfírio é “O" eletricista. Chegou a
ser requisitado pelo corpo de bombeiros. Uma mulher usou a escova de cabelos elétrica
como vibrador e ficou entalada. Uma ocorrência seriíssima. A fiação da casa era
toda irregular e ninguém conseguia desligar o aparelho. Teriam que cortar a luz
do quarteirão. Chamaram a Eletropaulo, mas a equipe ficou presa no trânsito a
quatro quarteirões do lugar. Sabe como é... Em São Paulo não se percorre uma
distância dessas em menos de três horas. Por isso chamaram o Porfírio. Ele me
contou em detalhes. Uma coisa dramática... A mulher nua em cima da cama, com a
escova dentro dela funcionando freneticamente. De vez em quando a escova ainda
liberava uma descarga elétrica. Dona
Adriana... Sem desligar sequer uma
lâmpada, o Porfírio desarmou a escova, regularizou a instalação da casa e de
quebra, consertou a escova assassina. A mulher deve estar usando ela até
hoje... pra escovar o cabelo... espero... É pela obra que se conhece o artista!
(Aponta para o aparelho)
ADRIANA
Sei...
Mas disse que eu estava duplamente enganada. O outro engano seria?
CARDOSO
Quem
disse que sou formado em administração?
ADRIANA
(Perplexa, sem entender)
Como
é que é?
CARDOSO
Quem
disse que sou formado em administração de empresa?
ADRIANA
Como
quem? O senhor, ora essa!
CARDOSO
Eu
nunca disse isso.
ADRIANA
Essa
informação consta na orelha do seu livro?!
CARDOSO
Tem
uma frase do Kafka que diz: “Existem ardis que de tão finos anulam-se a si
mesmos.” Nunca fui formado em administração. Trata-se de uma fina ironia. Na
nossa sociedade um mero diploma retira o medíocre da mediocridade...
ADRIANA
Como
assim, ‘senhor’ Cardoso? Tem a sua foto, uma breve biografia e a profissão:
Administrador de empresas.
CARDOSO
Percebeu
a ironia? Administrador... de empresa. Um chiste, uma galhofa...
ADRIANA
(Incrédula)
Sério?!
Inclusive a parte que diz: “ Saudade da
turma da Facu Candido Alencar. Amo vocês! ” ?
CARDOSO
E
qual o problema?
ADRIANA
O
problema é que essa fina ironia, de tão fina, tornou-se invisível. Ficou apenas
uma situação acadêmica que o senhor não tem.
CARDOSO
E
depois nem é 100% invenção. Eu quase trabalhei como auxiliar de escritório na Volkswagen.
ADRIANA
Quase?!
CARDOSO
Tinha
até feito exame médico. Cancelaram a vaga. Uma pena. (Apronta a máquina)
Pronto! Está ajustada. Mas não se anime a carga só dá pra duas horas.
ADRIANA
(Levantando e se afastando de novo)
Não
creio que seja uma boa ideia... A minha libido sempre foi ótima. E o cruzamento
de um compressor de ar, uma máquina de solda e um cortador de grama... não me
parece muito promissor...
CARDOSO
Bobagem
dona Adriana. Falaram coisa parecida do computador. Diziam que era fruto do
sexo entre um televisor e uma máquina de escrever. Esse desconforto é só no início, cinco
minutos e a coisa vai que é uma beleza.
ADRIANA
(Fugindo, ele segue atrás dela)
Afaste
isso de mim! Afaste isso de mim!
CARDOSO
Mas
que medo bobo é esse? Vai passar a vida fingindo orgasmo?
ADRIANA
Quem
disse que finjo orgasmo?
CARDOSO
E não?!
ADRIANA
...
Só quando necessário.
CARDOSO
Ta
vendo?! Pra que fingir felicidade ao invés de ser feliz?
ADRIANA
(Se esquivando)
Afaste
isso de mim!Tirou essa idéia de onde? Um filme de terror?
CARDOSO
Mas
que exagero, dona Adriana. O aparelho é 100% anatômico.
ADRIANA
O
QUÊ? Anatômico pra quem? Praquela doida que entalou a escova de cabelos?
CARDOSO ( Entendendo enfim )
Pera
aí...acho que ta havendo algum engano. Como imagina que é a ‘aplicação’?
ADRIANA
( Confusa )
Ora...
não é...não é enfiando essa garra aí?
CARDOSO
Enfiando
onde Dona Adriana?
ADRIANA
Ora
onde! O senhor sabe muito bem!
CARDOSO
Não
sei não senhora.
ADRIANA
Não
é ...não é... lá?
CARDOSO
Não
dona Adriana. O Orgasmotron funciona através de campos eletromagnéticos. E
esses campos operam através dos pontos de acupuntura na palma da mão. Nem
precisa tocar.
ADRIANA
(Sem graça)
En...então
é assim? Puxa...nem é tão invasivo.
CARDOSO
Exatamente.
A senhorita tem um raciocínio Freudiano dona Adriana. Cuidado! Nem sempre temos
um Porfírio por perto.
ADRIANA
O
senhor me respeite. Não lhe dei essa intimidade.
CARDOSO
Desculpe!
Foi só um comentário.
ADRIANA
E
por favor desaparece com essa traquitana! Vamos, por favor, continuar a
entrevista.
CARDOSO
Ok,ok...
(Guarda o aparelho)Não vamos brigar por tão pouco. Mas saiba que essa
traquitana devolveu o sorriso pra muitas mulheres.
ADRIANA
Acredito.
É mesmo um aparelho bem risível. Mas voltando ao ponto... Aumentar a libido da
mulher ajuda o marido não ser traído?
CARDOSO
Se
ela usar essa libido com ele, sim.
ADRIANA
O
senhor ficou famoso por proferir frases bombásticas. Numa palestra o senhor
perguntou: “ Quem foi o corno que descobriu o Brasil? ”. E os presentes
responderam constrangidos: Cabral.
CARDOSO
Exatamente.
ADRIANA
Pois
é... A ligação entre ser corno e a expansão marítima no século 15 não ficou
muito clara.
CARDOSO
Que
motivo levaria um marinheiro deixar a mulher sozinha por anos a fio? Podendo
nem voltar?
ADRIANA
(Didática)
A
impossibilidade de Portugal se expandir para o interior da Europa, estabelecer
rotas comerciais com a África, Índia, China. Romper o monopólio das cidades
italianas no Mediterrâneo e etc... etc...
CARDOSO
A
vontade de ser corno! O que disse é verdade pelo lado macroeconômico. Mas o
humilde marinheiro era movido pelo desejo inconsciente de deixar a mulher a
mercê de algum patrício, algum aventureiro.
ADRIANA
E
porque diabos ele faria isso? Por que motivo?
CARDOSO
A
satisfação de um impulso ancestral: a vontade de ser corno. A mais viciante de todas as drogas. Mesmo que
de forma inconsciente. É algo lancinante dona Adriana, tenho tomografias que
provam isso. Foram tiradas no auge desse frenesi. Frenesi só comparável ao dos
tubarões na presença de comida farta. Se quiser posso mostrar algumas.
ADRIANA
Não precisa. Já
vi, estão anexadas ao processo que o Conselho Regional de Medicina move contra
o senhor. Aliás... o que tem a dizer a respeito?
CARDOSO
Processo bem
pior enfrentou Galileu ao defender as teorias de Copérnico.
ADRIANA
Se existe algo
de que não pode ser acusado é ter baixa auto-estima.
CARDOSO
(Dramático)
Esse frenesi,
dona Adriana, é que os leva a reagir de maneira violenta, só quando suas fêmeas
estão entregues a outros machos, conseguem baixar o stress e retomar a
normalidade.
ADRIANA
Sei. Depois de
percorrer incontáveis milhas náuticas, na solidão dos
mares, enquanto suas jovens esposas se entregam a algum patrício.
CARDOSO
Exato,
isso também se aplica aos marinheiros, mas não era deles que falava.
ADRIANA
Como
assim? Falava de quem?
CARDOSO
Dos
tubarões.
ADRIANA
(Fica perplexa,em silêncio por segundos sem saber como reagir a tamanho
absurdo)
Doutor
Cardoso... senhor Cardoso... Tubarão também é corno?
CARDOSO
A
semelhança entre o frenesi do corno humano e o dos tubarões não pode ser
ignorada. Temos um padrão. Na certa todo predador de topo de cadeia passa por
isso. Desde o Tiranossauro Rex.
ADRIANA
Mas
pra isso precisa um vínculo familiar monogâmico, pra alguém ser traído por
alguém. Tenha santa paciência! Como isso é possível? Com macho e fêmea se
deslocando pelo oceano?
CARDOSO
Não
se iluda dona Adriana, nós humanos, morando no mesmo imóvel, não estamos mais
próximos. Faltam dados científicos pra comparar, se tivesse a tomografia de um
tubarão... Acredita que o instituto oceanográfico bateu a porta na minha cara?
ADRIANA
(Enfática)
Acredito!
CARDOSO
Ora
dona Adriana... sendo uma profissional de imprensa, devia ter a mente mais
aberta.
ADRIANA
Ok!
Mesmo aceitando suas teorias temos que convir que quando Moisés abriu o Mar
vermelho foi pra fugir do exército egípcio!
CARDOSO
Isso
não! Isso não! Jamais fiz qualquer comentário a respeito. São calúnias. Por conta delas quase fui
agredido.
ADRIANA
Ah
é?! (Lembrando) Mas a agressão não foi por ter chamado Abraão de corno?
CARDOSO
Outra
mentira!
ADRIANA
Mas
o senhor citou Abraão sim. Eu tenho o áudio.
CARDOSO
O
que disse é que Abraão fez a mulher passar por irmã, namorar o Faraó e Abraão
levar vantagem nisso. Não houve traição. Eram cúmplices. O papel de Abraão se
associa ao rufianismo, a cafetinagem.
ADRIANA
(Irônica)
Tem
razão o senhor não ofendeu ninguém, mais uma vez está sendo vítima de grande
injustiça.
CARDOSO
Dona
Adriana, existe justificativa moral pra o que acontece em Gênesis do capítulo
12 ao 20 ? Abraão faz a mulher passar
por irmã e ficar com o Faraó. E o punido é o Faraó. Enquanto Ló e sua família,
únicos poupados da destruição de Sodoma e Gomorra por serem 'justos', mal a
fumaça da destruição baixa e as filhas dão um porre no próprio pai, transam com
ele e engravidam as duas. Eu lhe pergunto: o que os finados habitantes de
Sodoma e Gomorra faziam que conseguia ser ainda pior?
ADRIANA
Eu
reafirmo minhas palavras: o senhor não ofendeu ninguém, mais uma vez foi vítima
de grande injustiça. O mundo teima em não compreendê-lo.
CARDOSO
Ora
dona Adriana... Por favor...
ADRIANA
O
senhor tem noção de como essas teorias soam absurdas?
CARDOSO
Einstein
passou por coisa parecida com a teoria da relatividade.
ADRIANA
Muito
apropriada a comparação....
CARDOSO
E
depois se são tão absurdas assim, como explica as vendas do meu livro?
ADRIANA
O
senhor oferece a ‘cura’ pra traição. É de se esperar o interesse. Na minha
pauta suas explicações corno centristas começavam no velho testamento, mas a
citação ao Tiranossauro Rex levou pra mais longe ainda.
CARDOSO
Minhas
teorias abrangem um vasto campo científico e temporal, nisso me pareço muito com meu colega Galileu
Galilei. Na verdade começam junto com as células eucarióticas.
ADRIANA
(Perplexa)
Células
Eucarióticas?!
CARDOSO
Exatamente.
ADRIANA
Senhor
Cardoso... saber que um tubarão, um ser que vive sozinho no oceano é corno, me
causou certa perplexidade. Que foi superada ao saber que o Tiranossauro Rex
passou pela mesma situação. Agora... uma simples célula, que as vezes nem
sexuada é... vai além do que sou capaz de processar. Como uma célula que se
auto duplica pode ser infiel com alguém ou alguma coisa? Tenha a santa
paciência!
CARDOSO
Calma
dona Adriana, permita que eu explique. Não se trata disso. Na origem da vida,
por milhões de anos, as células primordiais se reproduziam via duplicação, sem
sexo e a morte não existia. Havia entre elas um vínculo associativo, como se
fossem muitas e uma só. Uma paz primordial reinava. Até que surgiu a reprodução
sexuada e com ela a diferenciação, a competição entre os indivíduos e a morte. Nossas
células, mesmo nos dias de hoje, guardam essa memória e buscam resgatar a paz
primordial perdida. A única forma disso acontecer é através do compartilhamento
das fêmeas para restabelecer a irmandade genética. Por isso o desejo de ser
corno é tão intenso. Vem do desejo ancestral de se retomar a harmonia e fugir
da morte. Todo corno sonha ser imortal!
ADRIANA
Ok...
Agora entendi um antigo trocadilho seu com a academia brasileira de letras e
porque também eles tentaram te bater. Mas permita-me... Permita-me uma
colocação.
CARDOSO
Por
favor.
ADRIANA
Imaginemos
um cidadão, pai de família,que trabalha de sol a sol pra sustentar sua mulher...
CARDOSO
Sei...
ADRIANA
Pois
bem... Esse cidadão, esse trabalhador exemplar chega em casa mais cedo por um
motivo qualquer e encontra sua digníssima esposa, na cama... engatada no pênis
de um cidadão... O senhor está
acompanhando?
CARDOSO
Perfeitamente,
conclua.
ADRIANA
Pois
bem... diante de tamanha infâmia , nosso pai de família, nosso trabalhador
exemplar, terá, segundo suas teorias, que abraçar o cidadão ainda atochado em
sua esposa e dizer emocionado: “ Que bom que voltamos a trabalhar juntos! ”
CARDOSO
Apesar
da visível ironia em suas palavras, quase escárnio, na essência seria isso
mesmo. Mas nunca propus aceitar a traição e sim transcendê-la. Não sou como
dizem os detratores, um escritor de alcova, eu sou, isso sim, o arauto de uma
nova era, o messias dos tempos modernos, o detentor da verdade revelada!
ADRIANA
(Após breve pausa)
Senhor
Cardoso... o senhor já andou sobre as águas?
CARDOSO
Claro
que não, dona Adriana.
ADRIANA
O
senhor já tentou?
CARDOSO
É
evidente que não.
ADRIANA
Ok.
Mas se tentasse, acha que conseguiria?
CARDOSO
Mais
uma vez, não!
ADRIANA
Senhor
Cardoso... o senhor é doido?
CARDOSO
Tenha
paciência dona Adriana...
ADRIANA
Confesso
não saber se estou diante de um Gênio ou um desequilibrado. Essa dúvida, vou
lhe confessar, me causa um certo sofrimento.
CARDOSO
A modéstia me
impede de sanar a sua dor. Lamento...
ADRIANA
Acredito.
Mas retomando... Eu preciso entrevistar as pessoas do seu convívio... A
propósito, aquele moço com quem falava quando entrei,seria o Porfírio, nosso
grande eletricista?
CARDOSO
Não.
Era o Pacheco, um amigo de infância. Está confundindo os nomes. Ele ta com
alguns problemas. Pacheco é um grande amigo, um meio irmão. Uma dúvida... Ficou
uma coisa aqui martelando na minha cabeça...
ADRIANA
O
que?
CARDOSO
É
sobre o Orgasmotron... O aparelho... Supondo que o aplicador fosse usado da
forma como imaginou...supondo apenas...caberia?
ADRIANA
(Furiosa)
O
senhor me respeite! Não lhe dei essa liberdade. E meu raciocínio não é
Freudiano não senhor!
CARDOSO
Desculpe.
Desculpe. Não está mais aqui quem falou.
ADRIANA
Mais uma
vez... Voltando ao assunto. Dona Teresa, sua esposa. É possível falar com ela?
CARDOSO
Claro! Teresa
é minha maior fã. Faz jus ao ditado de que por trás de um grande homem existe
sempre uma grande mulher.
ADRIANA
Além de
grande... modesto.
CARDOSO
Vamos até
minha casa. Teresa adora dar uma entrevista.
_______________________________
Casa de Cardoso, quarto. Ele entra chamando pela mulher, que está na
cama com o amante. Os dois estão de
baixo dos lençóis.
CARDOSO
Teresa! Teresa
temos visita. Teresa... (Chocado) Mas o
que é isto?
O amante se esconde sob os lençóis.
Teresa põe temerosamente a cabeça para fora. O amante permanece escondido.
CARDOSO
Isso aí...aí
do teu lado...é um...um homem?
TERESA
Não vou mentir
pra você... é um homem sim. Mas eu posso explicar.
CARDOSO
Eu também!
Levanta daí canalha!
TERESA
(Levantando da cama apenas de camisola. O Amante permanece escondido sob os
lençóis)
Calma Cardoso!
Não faz nenhuma loucura! Hoje em dia isso é comum.
CARDOSO
Eu sei! Eu
escrevi um livro a respeito, lembra?
TERESA
Pois então...
Tem um capítulo que ensina a lidar com essa situação.
CARDOSO (Indo
até a gaveta)
Noutro explica
como era antigamente. (Retira um revolver da gaveta)
TERESA
Meu Deus
Cardoso!
CARDOSO (Para
o homem na cama, que se limita a tremer sob os lençóis)
Levanta
canalha! Seja homem! Tenha a dignidade de morrer em pé!
TERESA
(Tomando-lhe a frente)
Pensa no teu livro!
Pensa na tua carreira! Lembra daquela cartomante? Ela disse que ia vender mais
livro que o Paulo Coelho!
CARDOSO
Disse também
que iríamos envelhecer juntos! Ela deve ser melhor jogando 21. Anda canalha!
TERESA
Pensa no seu
livro! As vendas irão a zero. Vai se tornar motivo de piada. Imaginou? O Homem
que ensinava não ser traído, sendo corneado?
CARDOSO
(Exasperado)
Que tipo de
homem frouxo ia tolerar essa situação por causa de um livro, um nome,posição
social ... dinheiro? (Guarda o revólver de volta na gaveta. Desolado)
PUTA-QUE-PARIU!
TERESA
Ta vendo?!
Ninguém precisa saber de nada. Fica só entre nós.
CARDOSO
Ta bem! Mande
esse miserável sair daí. Não aguento esse verme deitado na minha cama.
TERESA
Sai. Pode
sair.
CARDOSO
Ta com medo
canalha? Pode sair. Não vou te dar um tiro nos cornos. Mesmo por que... os
cornos acabaram ficando comigo. (Olha furioso para Teresa)
O homem descobre a cabeça lentamente
com certo suspense. Ao final se vê. É
Pacheco quem está na cama.
CARDOSO
(Horrorizado)
Pa-pa-pacheco!
Pacheco!
Leva as mãos ao peito como quem está
tendo um enfarte e desmaia.
TERESA (Indo
ampará-lo)
Aí meu Deus!
Acuda Pacheco ele ta tendo um troço!
Pacheco corre para ajudá-lo.
PACHECO
(Massageando o peito dele)
Wildemar! Fala
comigo, Wildemar!
CARDOSO
(Agarrando-o pelo pescoço)
Wildemar o
cacete, seu filho da mãe! Traidor miserável!
TERESA
(Separando-os)
Parem já com
isso!
CARDOSO
Traidor! Como
pôde fazer uma coisa dessas? Judas!
PACHECO
Eu segui os
conselhos que me deu.
CARDOSO
Mas não era
pra ser com a minha mulher imbecil!
PACHECO
Achei que não
ia descobrir. Lembra: ‘Se ninguém ficar sabendo, não aconteceu’.
CARDOSO
Que
imoralidade. Só um perdido, um devasso pra agir dessa maneira.
TERESA
(Dramática)
Foi um momento
de fraqueza, Cardoso. Uma insensatez. Eu nunca te traí, foi a primeira vez...
CARDOSO
Mentira! Já se
encontram há um ano!
TERESA
(Indignada)
Quem disse?
CARDOSO
Ele!
TERESA
(Confusa)
Você disse
isso?
PACHECO
Disse.
TERESA (Sem
graça)
Mas ele foi o
primeiro. Eu juro! Nunca houve outro homem.
CARDOSO
Onde passa um
boi, passa uma boiada!
TERESA (Para
Pacheco)
Espera um
pouco...disse isso pra ele quando? Como?
PACHECO
No escritório,
antes de vir pra cá.
CARDOSO
E tem mais uma
coisa. Devolve a minha camisinha!
TERESA
(Perplexa)
Camisinha?! Como
assim, camisinha?! Por que de repente passei a não entender nada? O que ta
acontecendo aqui?
CARDOSO
Anda! Se não
tomo a força, Judas!
PACHECO
É pra já! (Vai
até o cesto de lixo e pega a camisinha) Toma!
Segura-a pela ponta dos dedos e entrega
a Cardoso. Ela está desenrolada. Usada.
CARDOSO
(Segurando a camisinha na ponta dos dedos. Ar de nojo e indignação)
Na minha
própria casa, no meu quarto, na minha cama, com a minha mulher e usando a minha
camisinha... de seu, só o pinto!
TERESA
Que horror!
Não precisa baixar o nível, por favor.
CARDOSO
(Exibindo a camisinha)
E dá pra
descer abaixo disso? Hein? A situação tornou-se escatológica! Infame! Vil!
Fecha o punho com a camisinha na palma
da mão.
CARDOSO (Ao
ver o que fez)
Um...um...um
lenço pelo amor de Deus!
Teresa corre para o armário e procura
um lenço.
CARDOSO (Para
Pacheco)
Seu miserável!
PACHECO
Eu não mandei
por a mão nisso.
CARDOSO
E eu não
mandei comer a minha mulher!
PACHECO
Mandou sim!
Não vem querer tirar o corpo fora!
TERESA
(Trazendo o lenço)
Temos que
decidir o que fazer. Civilizadamente.
PACHECO
O divórcio é a
única solução. Aí a gente fica junto.
CARDOSO
Uma ova! A
condição de homem bem casado é fundamental pra minha carreira. Como explicar a
separação e a união dos dois? Seria o desastre pro meu livro. Façamos assim...
Você desiste desse sacripanta e a gente salva as aparências e a minha carreira.
PACHECO
De jeito
nenhum! A humanidade não gira em torno de você.
CARDOSO
Preferem me
arruinar completamente?
TERESA
Posso falar?
CARDOSO
Por favor.
TERESA
Não vou me
separar do Pacheco. (Pacheco sorri) Por outro lado
não posso
desmanchar meu casamento. O Cardoso tem razão, seria nossa ruína, ele ta
ganhando rios de dinheiro com esse livro.
PACHECO
E o que sugere?
TERESA
(Pudica)
Manter tudo
como está.
PACHECO
(Horrorizado)
O que? Ficou
doida?
TERESA
Não posso
arruinar a carreira do Cardoso, não seria justo.
PACHECO
Mesmo ele não
aceitaria algo tão sórdido.
CARDOSO
Eu topo! Já
traduziram o livro pro Inglês... Tem convite pra feira literária em Miami...
Meu editor ta negociando outra em Las Vegas... (Ar de derrota) Que se dane,já
ta comendo mesmo...
PACHECO
Mas isto é uma
imoralidade!
CARDOSO
Sério?! E como
classifica comer a mulher do melhor amigo?
PACHECO
Bom... nos
seus termos. Como algo que ninguém deve ficar sabendo pra gente fingir que não
aconteceu.
CARDOSO
Eu mato esse
desgraçado!
Cardoso corre atrás dele, Teresa o
impede.
TERESA
Para! Para!
Chega! Chega! Não adianta ficar remoendo mágoa.
Precisamos
agir como pessoas evoluídas, pessoas modernas, de mente aberta. É o jeito de
continuarmos juntos Pacheco. E quanto a você Cardoso, não se deixe levar por
pensamentos menores...pense no dinheiro.
CARDOSO
Teresa...quanto
mais te conheço mais percebo como foi injusta e precipitada a destruição de
Sodoma e Gomorra.
PACHECO (Para
Teresa)
Não estou te
reconhecendo. E aquela estória de vivermos juntos numa casinha no campo?
TERESA
Caraca
Pacheco. E você acreditou?
CARDOSO (Irônico)
Que mulher...
Uma legitima filha de Eva...e filha de outra coisa também...
TERESA
Chega de
drama. Não estou propondo nada de mais. Tudo fica como está.
PACHECO
Eu só aceito
numa hipótese.
TERESA
Qual?
PACHECO
Que não haja
contato físico entre vocês. (Para Cardoso, cerimonioso) Teresa me contou que
não há sexo a mais de um ano. Não estou pedindo nada de mais.
CARDOSO
(Cínico)
Não fazemos
sexo a mais de um ano? (Para Teresa) Mas não era você a dois dias atrás, aqui
mesmo nessa cama?
PACHECO
O que?
(Olhando furioso para Teresa) Você tinha jurado!
CARDOSO
Não seja ingênuo,
Pacheco. Ela me jurou coisa muito mais séria na igreja, diante do padre. E olhe
onde fomos parar.
PACHECO (Pra
ela, dramático)
Estou me
sentindo traído...
CARDOSO
Gozado... eu
também...
PACHECO
Pois se havia
sexo, não haverá mais!
CARDOSO
Alto lá! O
marido aqui sou eu. Eu que levei essa daí pra igreja. Enfrentei o ridículo de ficar meia hora em pé
diante do altar, me sentindo um completo idiota. Se alguém tem direito
adquirido, esse alguém sou eu. Ta na essência do casamento, oferta regular de
sexo e alguém pra cozinhar e arrumar minhas coisas. A Teresa não sabe cozinhar
e precisa de empregada pra tudo. Se não fizer sexo com ela, ela fica sem
função. (Para Teresa) E antes que ponha a culpa no filme pelo sexo dois dias atrás,
esclareço... O sexo rola regularmente.
PACHECO
Que estória e
essa de filme? Até isso Teresa?
TERESA
Não seja sórdido
Cardoso. (Para Pacheco) Ele ta falando isso pra te irritar.
PACHECO
Então fala o
nome do filme.
TERESA
Melhor não.
PACHECO
Por quê?
TERESA
E forte
demais.
PACHECO
(Espantado)
Como e que é?
CARDOSO
Com licença...Ainda
sou o marido. Esse tipo questionamento não tinha que ser meu?
PACHECO
'Império dos
Sentidos'!
CARDOSO
Não vi nada de
mais nesse filme. (Cínico) A não ser aquela cena do ovo.
PACHECO
(Chocado)
Minha nossa!
TERESA
(Aflita)
Não é nada
disso! Eu nem assisti esse filme!
PACHECO
Se não
assistiu como sabe da cena do ovo?
TERESA
Não vi, mas
ouvi falar. (Para Cardoso) Como é que diz uma barbaridade dessas?
CARDOSO
Mas eu não
disse nada. Quem citou o filme foi ele.
TERESA
Mas falando
como falou, deu a entender que...que...
PACHECO
Que o que?
TERESA
Chega! Basta!
Parou com essa conversa! Deixa esse filme pra la...
(Tom
professoral) Como é do conhecimento dos dois, estudei em colégio de freiras e não
posso ser protagonista de alguma baixaria.
Sendo assim e pra evitar brigas e confrontos, proponho a confecção de
uma tabela semanal. Estabelecendo o dia de cada um. Assim... não corremos o risco de perder a classe.
CARDOSO
(Cínico)
Sem dúvida.
Mas vai ser de graça ou você pretende cobrar alguma coisa?
PACHECO
Que
imoralidade! To me sentindo um canalha.
CARDOSO (Idem)
Que bom que
gostou.
TERESA
Fica a
critério de vocês escolher os dias. Menos na segunda, tenho analista. Agora vou precisar dele mais do que nunca.
CARDOSO
Tirando a
segunda sobram três dias pra cada um. Vou ficar com a sexta, sábado e domingo.
PACHECO
Mas são os
melhores dias!
CARDOSO
Claro! Eu sou
o marido.
PACHECO
Você é um
egoísta, Wildemar! Só pensa em você! E pensar que jogamos bolinha de gude juntos.
CARDOSO
Duas coisas. A
primeira: Wildemar é a senhora sua mãe! A segunda: as bolinhas eram minhas, de
um pote que eu te emprestei e até hoje não me devolveu!
PACHECO
Devolvi sim
senhor!
CARDOSO
Menos da
metade! Tinha um monte de café-com-leite. Cadê? Não sobrou uma!
PACHECO
E você que
sumiu com o meu pião? Hein?! Aquele batatinha.
CARDOSO
Caiu no
bueiro! Tive culpa? Caiu no bueiro.
PACHECO (Para
Teresa)
Ele jogou de
propósito.
CARDOSO
Mentira! Foi
sem querer.
PACHECO
Sem querer
coisa nenhuma!
CARDOSO
E os meus
pipas? Deles você não fala.
PACHECO
Taiaram. Tive
culpa? Taiaram.
CARDOSO (Para
Teresa)
Eu falando pra
ele: descarrega, descarrega! E ele lá com a linha esticada. Aí o cara vinha por
baixo, dava um taio e pronto!
PACHECO
Mas eu deixava
ele entrar por baixo pra pegar pela rabiola. (Para Teresa) Tinha um chicote na
ponta de dois metros. Caprichado no cortante.
CARDOSO
(Rindo)
Cortante? Você
chama aquilo de cortante? Todo empelotado, parecia bolinho de arroz pendurado
no varal.
PACHECO
Conversa! Eu usava
vidro de lâmpada moído.
CARDOSO
Depois que eu
ensinei! Depois que eu ensinei! Senão tava moendo garrafa de champanha até
hoje. Aquelas que pegava nas macumbas no muro do cemitério.
PACHECO
E você não
usava as velas pra fazer tocha de balão?
TERESA
Cheeegaaa!
Senão vocês viram a noite nessa conversa. Meu Deus como homem é bicho
cansativo...
CARDOSO
É porque você
tem muitos. Tivesse um só não cansava.
TERESA
Pacheco você
conhece o Cardoso tão bem quanto eu. Deixa ele ficar com o final de semana. Só
uma pergunta: e se eu tiver uma dor de cabeça?
CARDOSO
Toma uma
aspirina.
PACHECO
‘ O Ultimo
Tango em Paris ‘.
CARDOSO
O que?
PACHECO
‘ O Ultimo
Tango em Paris ‘. O filme. Era esse o
filme. (Olha para Teresa que leva as mãos a boca amedrontada) O que tem a cena
da manteiga!
CARDOSO (Para
Teresa. Cínico)
Mas nós usamos
margarina, não foi Teresa? Doriana. Me lembro bem. E sem sal!
PACHECO (Para
Teresa, chocado)
Como é que
você pôde?
TERESA
(Embaraçada)
Ora Pacheco...
sabe como é... Hollywood exerce um fascínio sobre a gente...
CARDOSO
Vamos fechar
logo esse acordo infernal. Não temos o dia inteiro.
TERESA
(Lembrando)
Aliás... você
nunca vem em casa a essa hora...
CARDOSO
(Lembrando. Cara assustada)
Aí meu Deus...
a repórter!
Pipocam flashes de máquina fotográfica.
ADRIANA
(Entrando em cena de máquina em punho)
Uau!! Meu
primeiro furo! Que estória!
TERESA
(Assustada)
Quem é essa
mulher?
CARDOSO
(Aflito)
Repórter de um
jornal.
TERESA
Será que ela
ouviu alguma coisa?
ADRIANA
Tudinho! Ta
gravado aqui e ainda tirei fotos,vai ser minha estréia na primeira página.
PACHECO
Tamo ferrado
Wildemar...
TERESA
Uma ova! Pega
a máquina dela!
Cardoso pega a máquina enquanto Pacheco
segura Adriana.
CARDOSO
Vou por fogo
nessa merda!
ADRIANA
Fique a
vontade. Já mandei pela web. Ta no
servidor, alguém da redação deve estar vendo as fotos da sua mulher com o
amante. Pode quebrar a máquina, assim terminamos a conversa na delegacia.
TERESA
Vamos encurtar
o assunto. Quanto você quer pra justificar essas fotos de algum jeito e depois
ficar de bico fechado?
ADRIANA
O que eu quero
já consegui. Uma matéria impactante! Não tem como me comprar. A cabeça de vocês
vale bem mais. Vai ser um trampolim na minha carreira.
TERESA
(Enérgica)
É sua última
palavra?
ADRIANA
É!
TERESA
(Aflita)
Estamos
perdidos Cardoso...
CARDOSO (Indo
até a gaveta lentamente. Fala para si mesmo)
Aconteceu
assim, senhor Delegado. Eu levei a repórter até minha casa pra conhecer Teresa.
Convidei o Pacheco também. (Os três se entreolham sem entender nada) Foi então
que se deu a tragédia. Estávamos conversando animadamente quando de repente um
homem encapuzado invadiu a casa. (Tira a arma da gaveta) Armado. (Aponta a arma
para os três)
TERESA
Cardoso pelo
amor de Deus! Não vamos chegar a extremos!
CARDOSO
Foi horrível
senhor delegado. (Vai apontando a arma e os três vão se desviando) Sem emitir
uma palavra ou explicação pra esse tresloucado ato, ele disparou contra nós
quatro.
TERESA /
PACHECO / ADRIANA
NÃO!
CARDOSO
Tombaram um a
um... Caí entre eles fingindo ter sido atingido. Foi uma tragédia delegado,uma
carnificina.
ADRIANA
Pelo amor de
Deus, abaixe essa arma! (Para Teresa e Pacheco) Façam alguma coisa!
PACHECO
Pare com isso
Wildemar! Se puxar o gatilho vai perder um amigo!
TERESA
Jamais vai
enganar a polícia com essa estória! Jamais!
CARDOSO
O trauma foi
terrível delegado... Por isso estou escrevendo esse meu novo livro, intitulado:
‘ Anatomia da violência Urbana’.
ADRIANA
Já sei! Tive
uma idéia! As fotos já foram pra redação, mas o áudio não. E eu tenho uma explicação
pra isso. As fotos são pra divulgar seu novo livro. Foi tudo combinado entre nós.
Uma idéia genial!
TERESA /
PACHECO / CARDOSO (Baixando a arma)
Que idéia?
Blecaute. Passagem de tempo. Voz de
Adriana ao gravador.
ADRIANA
Um, dois, três,
testando. Um, dois, três, testando.
Luz sobre eles. Cardoso, Teresa e
Pacheco estão sentados na cama. Expressão de felicidade no rosto. Os três
vestem roupões da mesma cor, evidenciando a passagem de tempo e a atual
afinidade entre eles.
ADRIANA (Ao
gravador)
Entrevista com
o escritor W.C.Cardoso, cujo novo livro atingiu esta semana o primeiro lugar em
vendas. Desbancando inclusive o campeão Paulo Coelho. Como sempre o Doutor
Cardoso escolhe essa humilde repórter para dar suas declarações em primeira mão
e faz do nosso veículo o canal para o grande público. O que muito nos honra e
espero sempre contar com sua generosidade e confiança Doutor Cardoso. Pois
bem... Doutor Cardoso a que o senhor
atribui o estrondoso sucesso do seu mais novo livro, intitulado: ‘ Uma Cama
para Três ‘?
CARDOSO
É por
tratar-se de um livro verdade. Um livro que entra a fundo e sem medo na
complexidade do relacionamento humano. Um livro que aponta o desdobramento
natural da família nuclear rumo ao que eu defino como família triangular.
ADRIANA
Mas seu novo
trabalho e sua atual postura não entram em contradição com o que pregava
anteriormente? Afinal o primeiro livro dizia: ‘ Só é corno quem quer’, e sendo
o senhor o marido, a presença do seu amigo Pacheco entre vocês não configura
uma traição?
Cardoso dá uma risada absolutamente
artificial, sendo imitado pelos outros dois.
CARDOSO
(Rindo)
Desculpe. Não
consigo ouvir isso sem rir. Quem diz isso não leu nenhum dos dois livros. Se
leu não entendeu.
ADRIANA
Causou furor a
declaração de que tomam banho juntos.
CARDOSO
E o que tem de
novo nisso? No Japão vem de tempos imemoriais. Na família triangular existe
comunhão entre seus membros. Ao contrário da cansada e combalida família
nuclear, com seus relacionamentos egoístas e formais.
ADRIANA
(Cínica)
Mas e quando
cai o sabonete? Quem é que pega?
Cardoso fica sem saber o que responder.
Olha para Pacheco, que exibe a mesma dúvida. Até que Teresa, insegura, fala.
TERESA
Eu! (Para os
outros dois, constrangida) Não é?
CARDOSO
(Levantando exasperado)
Chega! Chega!
(Adriana desliga o gravador) Coisa ridícula!
TERESA
Que foi?
CARDOSO (Pra
Teresa)
Já imaginou a
cena? Você agachada completamente nua com dois marmanjos também nus te
olhando?! É grotesco! Pô Adriana, que
diacho de pergunta é essa?
ADRIANA
Não posso fazer
nada, ta na pauta.
CARDOSO
Não pode mudar?
ADRIANA
Claro que não.
O mundo quer detalhes. Alguém tem que
pegar esse sabonete.
CARDOSO
Sendo assim, o
Pacheco vai nos fazer esse favor.
PACHECO
Eu?!
CARDOSO
Claro! Não foi
você quem inventou essa barbaridade? Que foi dizer numa rádio que tomamos banho
juntos?
PACHECO
Achei que ia
ser uma coisa impactante.
CARDOSO
Ah isso foi!
Minha família nem fala mais comigo. O último que veio aqui foi um primo em
terceiro grau. E pra pedir dinheiro emprestado.
TERESA
É o preço da
fama meu querido. Foi graças a isso que
comprou aquele carrão japonês.
ADRIANA
Não tomam
banho juntos?
CARDOSO
Claro que não!
ADRIANA
Mas e o sexo,
pelo que sei rola.
TERESA
Sim. Mas
organizadamente. Seguindo a tabela.
PACHECO
Sou sempre discriminado
nessa casa. Só porque a ideia foi minha todo mundo critica. Ninguém dá valor.
ADRIANA (Com a
máquina em punho)
Atenção,
atenção. Pose pra a foto.
Os três abandonam instantaneamente a
postura beligerante anterior e posam sorridentes para fotografia. Adriana tira
três fotos em poses diferentes.
ADRIANA
Pronto.
Os três voltam à postura belicista
anterior.
PACHECO
Não vou pegar
sabonete nenhum!
CARDOSO
Vai sim
senhor!
ADRIANA
Faz assim
,quando eu perguntar responde que nunca aconteceu, mas vai improvisar uma saída elegante pra situação.
Dito isto os três riem. Ta certo?
CARDOSO
Certo, certo.
ADRIANA
Então vamô lá.
(Liga o gravador) Mas e quando cai o sabonete? Quem pega?
CARDOSO
Isso nunca
aconteceu. Mas se acontecer vamos improvisar uma saída elegante.
Os três começam a rir forçosamente.
Quando vê que estão se alongando, Adriana faz sinal pra parar. Para o gravador.
ADRIANA
Ficou péssimo.
Vamos deixar isso pro final. Precisa treinar, soou meio patético.
CARDOSO
(Lembrando)
Um detalhe...
sê tem alguma pergunta sobre o Orgasmotron?
ADRIANA
Tenho. Algum
problema?
CARDOSO
Todos! Não
quero ouvir falar dessa merda!
TERESA
Pronto! Lá vem
o estressadinho. Não explica as coisas e acha que a gente tem que adivinhar.
ADRIANA (Sem
entender)
Gente...do que
tão falando?
CARDOSO
O projeto foi
cancelado. É uma fonte de pendengas jurídicas. Nem toque nesse assunto.
ADRIANA
Ta
certo... Por que cê ficou nervosa
Teresa?
TERESA
Por quê?!
Pergunte ao escritor aí. Experimentei o aparelho e só faltou me comer viva!
CARDOSO (Para
Teresa)
Prometeu não falar
no assunto.
ADRIANA
Qual o
problema Cardoso?
CARDOSO
O problema é o
jeito ‘Freudiano’ que vocês mulheres tem de ver a vida!
ADRIANA
(Assustada)
Freudiano? Aí
meu Deus...
TERESA
Que jeito? Tão
falando do quê? É claro que eu envolvi o aplicador numa camisinha. Não sou
nenhuma louca. Rasguei umas quatro antes de conseguir. Anatômico coisa nenhuma!
E mesmo com o botão no máximo ele nem vibra. Porcaria, não serve pra nada.
(Todos a olham assustados) Que foi? Por que tão me olhando desse jeito?
CARDOSO
Quanto aquela
minha dúvida antiga Adriana, se ’caberia’ ou não. A resposta é sim!
TERESA (Sem
entender nada)
O quê? Odeio
quando não fala coisa com coisa.
PACHECO
Gente... Não
to entendendo nada. Eu devo ficar preocupado ou rir porque a situação é
engraçada?
CARDOSO
Faz o
desentendido! Assim nos poupa de mais uma declaração desastrosa a imprensa. Não
se fala mais nisso. A propósito Teresa. Joguei fora sua escova de cabelo
elétrica!
TERESA
O QUÊ? A minha
escova elétrica? O que tem a ver? Posso saber por quê?
CARDOSO
O Porfírio
ficou magoado com o fim do Orgasmotron. Ele não iria nos socorrer em caso de
emergência.
TERESA
(Totalmente confusa)
Como é que é?
Pacheco cê sabe do que esse doido ta falando?
PACHECO
Sei lá... O
Porfírio não é o eletricista?
ADRIANA
Se serve de
consolo Cardoso... O Marquês de Sade passou por coisa pior preso na Bastilha.
CARDOSO
Muito
engraçado Adriana...muito engraçado. Voltemos a entrevista.
ADRIANA
Preciso de uma
declaração impactante, ainda mais agora que não posso falar do Orgasmotron. (Para
Cardoso) Cê já falou com ela sobre a revista? Podia usar isto.
CARDOSO
Ainda não. Nem
é pra agora. Vai demorar um pouco. Deixa as vendas do livro começar a cair.
PACHECO
Que papo é
esse?
CARDOSO
Ofereci a
Teresa pra posar pelada numa revista masculina. Tenho até o pré-contrato
assinado.
TERESA/PACHECO
O quê?
CARDOSO
Isso que
ouviram.
TERESA
(Indignada)
Que tipo de
homem oferece a mulher pra posar pelada?
CARDOSO
O mesmo que
oferece a mulher pros amigos.
TERESA
Eu tenho
princípios Cardoso! Estudei em colégio de freiras, tenho valores a defender.
CARDOSO
Falou a mulher
que estuprou o Orgasmotron.
TERESA
Ah não! Essa
estória de novo, não.
PACHECO
Como conseguiu
descer a esse ponto?
CARDOSO
Foi por etapas
Pacheco. Primeiro me tornei seu amigo, depois
casei com a
Teresa. A união das duas coisas me levou até aqui.
TERESA
E se eu
recusar?
CARDOSO
Sério?! Vai
abrir mão do cachê e exposição na mídia?
TERESA
Ca-cachê?
CARDOSO
Dos gordos.
TERESA
Exposição na
mídia?
CARDOSO
Tem até
entrevista na televisão. Muito adolescente vai lhe render a justa homenagem
durante o banho.
PACHECO
(Revoltado)
Teresa se não
ta cogitando...
TERESA
(Interrompendo)
Não se mete
Pacheco. (Ele se cala) Mas não é agora não, né? Preciso perder uns três quilos.
CARDOSO
Vai demorar um
pouco. Mas não exagera na magreza, falei maravilhas dos seus peitos e da sua bunda. Não quero saber
de osso, não é revista de Pet Shop.
TERESA
(Segurando os peitos,mostra pra Adriana)
Adriana se
acha que assim ta bom? Preciso de silicone?
ADRIANA
Imagine. Se ta
ótima.
TERESA
Ta...tudo bem!
Eu me sacrifico pra te ajudar. É a minha sina... (Para Adriana) Podia clarear o
cabelo... (Adriana balança a cabeça que
não)
PACHECO
Mas... (Ele
tenta falar, mas Teresa faz sinal pra ele se calar)
ADRIANA
Então ta,
vamos continuar a entrevista? Depois a gente resolve o lance do sabonete.
TERESA
Pera aí... Eu
pego o sabonete!
PACHECO
(Exasperado)
As vezes dá
vontade de tomar uma dose dupla de veneno.
CARDOSO
Toma uma dose
simples... deixa um pouco pra mim...
TERESA
Calados os
dois. Vai Adriana, vamos treinar, pergunta sobre o Sabonete.
ADRIANA
Ta... E quando
cai o sabonete? Quem é que pega?
TERESA
(Sensual mas passando do ponto, tom exagerado e vulgar)
Eu... E pego
bem devagar... Com os dois me olhando....Todinha... E por trás...
PACHECO (Ar de
derrota)
Meu Deus do
céu...
CARDOSO
Teresa, no
internato que tanto fala... rolou um lance entre você e as freiras?
TERESA
(Irritada)
O que ta
insinuando?
CARDOSO
Ninguém chega nesse
ponto sem ter começado cedo.
TERESA
Que-que foi?
Ta exagerado Adriana?
ADRIANA
Um pouquinho
querida. Meio vulgar. A gente treina, vou continuar daqui depois volta.
TERESA
Mas também!
Esses dois que só sabem criticar. Eles sim parecem duas freiras.
CARDOSO
As freiras
também tinham uma tabela pra transar com você?
TERESA
Ta vendo como
ele é Adriana? Ou não fala coisa com coisa ou vem com insinuação maldosa.
ADRIANA
Gente! Foco.
Preciso entregar a matéria. Vamô lá. E sem briga. Pronto? (Eles fazem que sim,
Adriana empunha o gravador) Então ta, gravando. E o senhor , seu Pacheco, a
quanto tempo conhece o Doutor Cardoso?
PACHECO
Eu conheço o
Wil.., o Cardoso desde a infância. Jogamos bolinha de gude juntos.
CARDOSO
Pois é...veja
como são as coisas. As bolinhas eram minhas e até hoje ele não devolveu. Dei um
ultimato. Vou esperar só mais dez anos.
PACHECO
Vamos fazer assim...
eu troco pelo meu pião batatinha que você jogou no bueiro.
CARDOSO
Mas que droga!
Quantas vezes vou ter que repetir? Foi sem querer! Pegou efeito e caiu no
bueiro. Um piãozinho velho, todo rachado.
PACHECO
Mentira! Tava
inteirinho tinha até envernizado.
CARDOSO
Pois vou
comprar outro pra você, pra nunca mais ouvir essa estória!
PACHECO
E eu vou
comprar um fardo inteiro de bolinhas pra você!
CARDOSO
Se não tiver
café-com-leite nem precisa chara! Nem precisa!
PACHECO
E o peão vou
querer de madeira de primeira! Nem peroba to aceitando!
CARDOSO
Pois eu mando
fazer de jacarandá da Bahia! Mando derrubar uma sequóia.
Os dois saem de cena discutindo enquanto as
duas observam sem ação. Blecaute. Tempo. Luz sobre a cama. Sob a coberta duas
pessoas fazendo amor. Cardoso entra. Roupas dando a entender que chega do
trabalho.
CARDOSO
Mas o que é
isso? Eu sabia! Eu sabia! Furando fila, né Pacheco?
TERESA (Pondo
a cabeça para fora da coberta. Seu acompanhante permanece coberto)
Cardoso?! O
que ta fazendo em casa a essa hora?
CARDOSO
Vendo o que
costuma fazer na minha ausência. Pelo visto não tem uma segunda atividade. A
noite com certeza teria dor de cabeça.
TERESA (Embaraçada)
Tenha modos.
Eu e o Pacheco estamos quase terminando. Faz assim, volta pro escritório.
CARDOSO
Uma ova! Ele
que espere sua vez. Virou bagunça? Virou bagunça? Cai fora Pacheco. Vaza!
TERESA
Não seja
egoísta!
CARDOSO
Egoísta,eu?!
Conhece mais alguém que divide a mulher com os amigos?
TERESA
Meu Deus como
você é implicante... Tem que ser o chato sempre?
CARDOSO
Não quero nem
saber. Muito galo e pouca galinha dá nisso! Vira bagunça. Anda Pacheco!Pacheco!
PACHECO (
Entrando em cena )
Que-que-foi?
Cardoso olha pra ele perplexo.
Vo...você ta aí?
PACHECO
Acabei de
chegar. Por quê?
CARDOSO
(Perplexo)
Mas...mas...
mas se você ta aí, quem ta la ? (Aponta)
PACHECO (Surpreso)
Minha nossa...
não é o seu dia? Devia ser você...
A pessoa descobre lentamente a cabeça.
É Adriana.
ADRIANA
Senhor
Cardoso....creio que pode estar nascendo aqui mais um Best Seller...
Abraça Teresa e a puxa para baixo do
lençol.
FIM